Por Marianne: Sou doida por
livros e filmes de temática psicológica. Desses que falam sobre problemas
comportamentais ou que criam uma situação inusitada que testa a conduta de todos
os personagens e deixa a gente sem reação. E pela sinopse de “Adeus à
inocência” tive a impressão de que seria
essa linha que o livro seguiria. Até seguiu mais ou menos... Mas bem, vamos pra
resenha que eu explico melhor.
Madora era
uma adolescente perturbada pelo suicídio do pai e o fracasso em que se
transformou seu relacionamento com a mãe por conta disso. Até Willis aparecer e
a salvar desse fundo do poço. Sem a aprovação da mãe, Madora fugiu com Willis
assim que completou a maioridade e desde então vive isolada no meio do deserto
da Califórnia com o moço.
Willis é um
rapaz incompreendido pelo mundo que foi criado pela mãe e acompanhou a irmã Daphne
se envolver com drogas e chegar no fundo do poço. E por esse motivo sente uma
necessidade de ajudar mocinhas perdidas por ai a entrarem no rumo.
Madora não iria dar-se ao trabalho de lavar os lençóis, apenas juntaria todos e os jogaria no lixo; e se Willis dissesse que era um desperdício, poderia ele mesmo tentar tirar o sangue. Ela imaginou como seria falar com ele num tom tão audacioso. Então se deteve. Imaginar já era perigoso, pois ela podia ficar tão a vontade em suas próprias opiniões que um dia se esqueceria e as falaria em voz alta.
As coisas
começam a mudar quando Willis traz Linda, uma adolescente de dezesseis anos e
grávida, e a mantém trancada e acorrentada num trailer que fica no quintal com
a premissa de que a garota era uma drogada que vivia nas ruas e ele a estava
ajudando. Madora apoia e ajuda Willis sem questionar, admirando sua
generosidade mesmo quando ele faz o parto de Linda e vende o bebê.
A coisa segue
nesse contexto bizarro até que Django aparece. Django é um adolescente de onze
anos que perdeu os pais (o pai era um astro milionário do rock) num acidente de carro e teve de abandonar sua
vida de rei do camarote em Bervely Hills pra viver em Arroyo com sua tia Robin,
que ele nunca havia ouvido falar até então.
Django
encontra a casa de Madora no meio do deserto quase que por acaso e na falta de
amigos e alguém pra conversar (ele e a tia Robin tem um relacionamento tão
próximo e amigável quanto você e aquela barata voadora da sua casa) ele vê em
Madora uma amiga em potencial.
Madora, mesmo
sabendo que Willis ficaria furioso se soubesse das visitas de Django, arrisca
tudo por um tempinho na companhia do menino. De repente, sem entender muito o
porquê, Madora começa a ficar incomodada com as perguntas de Django em
relação à sua casa que não tem telefone
e nem TV, as condições em que vive com Willis (a casa é um chiqueiro) e ao trailer onde Linda está “hospedada”. Basicamente o
moleque coloca Madona pra pensar um pouquinho fora da caixa. E funciona.
Murray, o gerente, disse que ela tinha um dom natural. Ela ficara orgulhosa e ávida por contar a Willis como fora elogiada, mas ele não se impressionou. Disse que tudo que precisava para servir comida eram duas pernas, duas mãos e um cérebro do tamanho de um repolho.
Madora começa
a se questionar sobre coisas tipo “Seu eu quisesse trabalhar fora, Willis
deixaria?”, “Se eu quisesse dar uma volta por ai, Willis se incomodaria?”,
“Será que talvez, eventualmente, de
repente, assim, por acaso, deixar Linda trancada e acorrentada no trailer
não é meio que... errado?” (AEEE! Vai Madora, vai que é hexa menina!)
Por mais que
Django plante a sementinha do “acorda menina!” em Madora, foram tantos anos
convivendo com os abusos psicológicos de Willis que se desprender dessa
corrente invisível é muito difícil. Acompanhamos isso de perto nos diálogos
entre os dois, mas o que mais me chamou a atenção foram as afirmações de Madora
a si mesma de que deixar Willis seria um erro porque ele precisa dela (ele
mesmo afirma isso em vários momentos do livro).
Me lembrou
muito um vídeo que uma amiga um dia me mostrou de um projeto chamado TedX. No
vídeo uma mulher relata os abusos psicológicos e físicos que sofria do seu
companheiro e revelou o motivo principal por não o ter deixado antes: a
sensação de que o homem é uma alma frágil e vulnerável, incompreendido por
todos e só ela o entendia e poderia ajudá-lo.
Ele podia dizer todas as coisas horríveis que quisesse. O amor dela era como um escudo, as palavras ricocheteavam sem feri-la. Não dava pra pensar em si mesma quando ele estava claramente sofrendo, tão furioso e humilhado. Era o trabalho dela levantar-lhe o ânimo quando ele mesmo não podia fazê-lo.
Sei que pra
muita gente é difícil compreender esse sentimento, mas ele está ai. E foi
justamente nesse sentido que eu acredito que a autora pecou um pouquinho. No
desenrolar da história vemos claramente uma Madora desenvolvendo suas próprias ideias e vontades e questionando sua realidade atual em função disso. Mas no
final do livro não sei o que aconteceu, parece que o prazo pra entregar estava
se esgotando e a autora pôs pra fora a primeira ideia que lhe veio na cabeça.
Eis aqui a verdade: assim como ela era uma garota sem sorte, Willis era um garoto com uma história triste. Pensando nisso uma piedade maternal jorrou dentro dela. Por ele e por si mesma.
Os
personagens são bem desenvolvidos durante o livro e no final não existe uma
auto análise de Madora pra justificar seu comportamento. Nem se fala muito
sobre o comportamento de Willis. Django do começo ao fim do livro tem um papel
de protagonista de filme infantil da Sessão da Tarde, então sobre ele nem vou
me estender. Alguns trechos também no decorrer do livro que (imagino) foram
escritos pra chocar o leitor passam tão beges que a gente nem percebe.
A leitura vale
a pena, saímos um pouco da nossa caixa pra entender o porquê de existirem
mulheres que permitem que seus companheiros a dominem dessa maneira e pensarmos
um pouquinho antes de julgar. Afinal, é muito fácil julgar todo um contexto
baseado em nossos rasos “achismos” e ignorarmos toda a complexidade psicológica
e comportamental que existe no ser humano.
Espero que você goste Nil. Esse livro nos coloca bem na pele da personagem, quase entendemos o porquê de todas as atitudes dela.
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