Tradução
de Shirley Gomes
—Vamos morrer e nossa linhagem morrerá conosco. – Ele então tossiu, e Maggie lhe deu um copo de suco.
— Oh, bem, nunca se sabe – disse ela, despreocupada –, é isso que dá ser homem. Talvez haja um pequeno você por aí e você nem sabe. – Ela soltou uma risadinha, olhando para ele a fim de verificar se não tinha passado dos limites.
Ele fechou os olhos com força e sorriu de esguelha.
— Talvez – riu. Depois suspirou. — Talvez. Afinal, tudo é possível.
Nossa
entrada na história parte com a família Pike, quando Glenys decide ter um filho
por inseminação artificial, já que seu marido, ao que tudo apontava, era
infértil. Nasce Lydia. Em outra família, nasce Dean, e em outra, Robyn. O
quarto filho do mesmo material genético é o mistério da trama.
Descobrir
as origens ficou a critério de cada família. Lydia teve uns problemas com a
sua, de maneira que uma perda significou toda uma quebra e o sentido de ter uma
família sempre foi um ponto delicado para si; assim, ela só vem a descobrir com
29 anos. Já Dean soube com 18, o que não mudou sua vida em nada a princípio,
ele era bem conformado com a mãe e não tinha lá muitas expectativas para achar
que devesse ir atrás, isso até, que aos 21, sua namorada morre e deixa um bebê
para ser criado.
Quanto à
Robyn, sua família era bem aberta e unida, então cresceu sabendo sua origem e
não ligando muito para o fato de que ela teria outro pai por aí. Mas só foi ao
completar 18 que os pais decidiram lhe passar os documentos oficiais, para todo
caso, de um dia Robyn mudar de ideia e querer saber mais a respeito. E o que a
faz mudar de ideia... é um caso bem interessante que Lisa Jewel arquiteta (rs).
Ela não sabia o que esperar. Era provável que fosse irreal imaginar que essas pessoas fossem particularmente interessantes só porque eram seus irmãos genéticos.
Há
várias personalidades nesse livro para se voltar e muitos jogos de narrativa
que Lisa soube usar. Cada capítulo traz um ponto/persona de que Lisa quer nos
mostrar, assim ora estamos com Lydia, ora com Dean, senão Robyn, e até Maggie,
uma amiga do doador Daniel, quem entra nessa jornada para reunir esses “filhos”
antes que o câncer leve de vez a figura que deu material para que 4 crianças
nascessem. A narração, no entanto, não segue conforme os pontos de vistas.
Gostei disso, mostrou que Lisa tem uma voz narrativa bem segura pra ir e voltar
e usa isso pra explorar diversos espaços da sua trama – além, claro, de dar
suas pitadas de mistérios nela.
Gostei
também das personalidades desenvolvidas. Não acho que Lisa foi óbvia ou
caminhou por estereótipos, seus personagens na verdade são bem críveis. Muitos
são egoístas, e às suas maneiras. A autora coloca isso na trama de um jeito que
não evoca pena, nem raiva ou tristeza, não necessariamente; também não exige
que eles mudem da água pro vinho, afinal, cada um resultou num reflexo
subjetivo de suas criações e ideais, o que conserva um ponto bem interessante
sobre identidade e a construção dela quanto a formar pessoas, o que gostaríamos
de ser, como somos e por que assim somos.
Dessa
maneira, posso dizer que a abordagem da autora foi mais que adequada, foi
delicada. Ao mesmo tempo em que se entremeia toda essa questão de inseminação,
família, amor, conexão, identidade, genética... Lisa vai além do óbvio, ela não
faz disso uma polêmica.
De repente, Lydia ficou atrapalhada com a ordem das prioridades. Como iria administrar isso? Em que sequência deveria viver os próximos poucos capítulos da sua vida? Realinhar-se com Dean, encontrar Robyn, e aí todos se juntariam com o papai Daniel como uma grande turma feliz? Ou encontrar individualmente cada participante desse cenário esquisito? Ela deveria conhecer cada um devagar ou marcar reuniões uma atrás da outra? Será que os outros estavam interessados em conhecer o “pai”? Ou só ela estaria? E, se fosse o caso, será que ele não ia querer perguntar dos “outros”? E como ela se defenderia? E a quarta cria? Deveriam esperá-lo se registrar?
Jewell
toca em diversas vidas e faz isso de um modo tão... lindo. Admirei muito de sua
escrita (me deu um gostinho de quero mais *---*), que guarda leveza,
simplicidade e essa sensação de acolhimento.
Achei o
título bem apropriado – o original é The Making of Us, algo como “a fabricação
de nós”, que ficaria bem esquisito se levado ao pé – por
refletir bem essa ideia de expectativa e receio, que também foi bem capturada
pela capa. Ela dá uma sensação contemplativa, sabe? Aquele ligeiro desconforto
para um tempo de mudanças...
No fim
das contas, trata-se de esperar para ver o que atitudes vão repercutir lá na
frente. Foi-se o tempo em que a medicina era vista como a revolucionária,
quando não, perigosa, enquanto lidar com o dom de dar ou brincar com a vida
(como na novela brasileira O Clone, que tratou dos procedimentos médicos por um aspecto
mais ético-social). Pelo que eu soube, em breve teremos em nossa tela uma novela que nos envolverá nesse mesmo tema do livro. Enquanto isso, Lisa Jewell é
uma boa pedida pra entender o que nos espera quando o assunto é inseminação
artificial, doadores anônimos e irmãos biológicos.
Apesar de não ser meu gênero, o livro parece ter sido muito bem escrito!
ResponderExcluirEu gostei dele, a história é bem original e os personagens bem criados. Também fiquei com gostinho de quero mais depois de terminar.
ResponderExcluir<33
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