segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Resenha: “Tempo de Mudanças” (Lisa Jewell)


Tradução de Shirley Gomes

Por KlerisO que mudaria em sua cabeça se você se descobrisse irmão biológico, digamos, de mais de cem crianças? Com o avanço da tecnologia médica e dos procedimentos artificiais, ter cem irmãos hoje é possível (vide o filme De Repente Pai). Mas, ok, Tempo de Mudanças não chega a esse ponto, aqui são apenas quatro irmãos e a forma com que seus genes acabam por aproximá-los. Lisa Jewell nos apresenta então às possibilidades do que antes era apenas um futuro incerto.
—Vamos morrer e nossa linhagem morrerá conosco. – Ele então tossiu, e Maggie lhe deu um copo de suco.

— Oh, bem, nunca se sabe – disse ela, despreocupada –, é isso que dá ser homem. Talvez haja um pequeno você por aí e você nem sabe. – Ela soltou uma risadinha, olhando para ele a fim de verificar se não tinha passado dos limites.

Ele fechou os olhos com força e sorriu de esguelha.

— Talvez – riu. Depois suspirou. — Talvez. Afinal, tudo é possível.  
Nossa entrada na história parte com a família Pike, quando Glenys decide ter um filho por inseminação artificial, já que seu marido, ao que tudo apontava, era infértil. Nasce Lydia. Em outra família, nasce Dean, e em outra, Robyn. O quarto filho do mesmo material genético é o mistério da trama.

Descobrir as origens ficou a critério de cada família. Lydia teve uns problemas com a sua, de maneira que uma perda significou toda uma quebra e o sentido de ter uma família sempre foi um ponto delicado para si; assim, ela só vem a descobrir com 29 anos. Já Dean soube com 18, o que não mudou sua vida em nada a princípio, ele era bem conformado com a mãe e não tinha lá muitas expectativas para achar que devesse ir atrás, isso até, que aos 21, sua namorada morre e deixa um bebê para ser criado.

Quanto à Robyn, sua família era bem aberta e unida, então cresceu sabendo sua origem e não ligando muito para o fato de que ela teria outro pai por aí. Mas só foi ao completar 18 que os pais decidiram lhe passar os documentos oficiais, para todo caso, de um dia Robyn mudar de ideia e querer saber mais a respeito. E o que a faz mudar de ideia... é um caso bem interessante que Lisa Jewel arquiteta (rs).
Ela não sabia o que esperar. Era provável que fosse irreal imaginar que essas pessoas fossem particularmente interessantes só porque eram seus irmãos genéticos.  
Há várias personalidades nesse livro para se voltar e muitos jogos de narrativa que Lisa soube usar. Cada capítulo traz um ponto/persona de que Lisa quer nos mostrar, assim ora estamos com Lydia, ora com Dean, senão Robyn, e até Maggie, uma amiga do doador Daniel, quem entra nessa jornada para reunir esses “filhos” antes que o câncer leve de vez a figura que deu material para que 4 crianças nascessem. A narração, no entanto, não segue conforme os pontos de vistas. Gostei disso, mostrou que Lisa tem uma voz narrativa bem segura pra ir e voltar e usa isso pra explorar diversos espaços da sua trama – além, claro, de dar suas pitadas de mistérios nela.

Gostei também das personalidades desenvolvidas. Não acho que Lisa foi óbvia ou caminhou por estereótipos, seus personagens na verdade são bem críveis. Muitos são egoístas, e às suas maneiras. A autora coloca isso na trama de um jeito que não evoca pena, nem raiva ou tristeza, não necessariamente; também não exige que eles mudem da água pro vinho, afinal, cada um resultou num reflexo subjetivo de suas criações e ideais, o que conserva um ponto bem interessante sobre identidade e a construção dela quanto a formar pessoas, o que gostaríamos de ser, como somos e por que assim somos.

Dessa maneira, posso dizer que a abordagem da autora foi mais que adequada, foi delicada. Ao mesmo tempo em que se entremeia toda essa questão de inseminação, família, amor, conexão, identidade, genética... Lisa vai além do óbvio, ela não faz disso uma polêmica.
De repente, Lydia ficou atrapalhada com a ordem das prioridades. Como iria administrar isso? Em que sequência deveria viver os próximos poucos capítulos da sua vida? Realinhar-se com Dean, encontrar Robyn, e aí todos se juntariam com o papai Daniel como uma grande turma feliz? Ou encontrar individualmente cada participante desse cenário esquisito? Ela deveria conhecer cada um devagar ou marcar reuniões uma atrás da outra? Será que os outros estavam interessados em conhecer o “pai”? Ou só ela estaria? E, se fosse o caso, será que ele não ia querer perguntar dos “outros”? E como ela se defenderia? E a quarta cria? Deveriam esperá-lo se registrar?
Jewell toca em diversas vidas e faz isso de um modo tão... lindo. Admirei muito de sua escrita (me deu um gostinho de quero mais *---*), que guarda leveza, simplicidade e essa sensação de acolhimento.

Achei o título bem apropriado – o original é The Making of Us, algo como “a fabricação de nós”, que ficaria bem esquisito se levado ao pé – por refletir bem essa ideia de expectativa e receio, que também foi bem capturada pela capa. Ela dá uma sensação contemplativa, sabe? Aquele ligeiro desconforto para um tempo de mudanças...

No fim das contas, trata-se de esperar para ver o que atitudes vão repercutir lá na frente. Foi-se o tempo em que a medicina era vista como a revolucionária, quando não, perigosa, enquanto lidar com o dom de dar ou brincar com a vida (como na novela brasileira O Clone, que tratou dos procedimentos médicos por um aspecto mais ético-social). Pelo que eu soube, em breve teremos em nossa tela uma novela que nos envolverá nesse mesmo tema do livro. Enquanto isso, Lisa Jewell é uma boa pedida pra entender o que nos espera quando o assunto é inseminação artificial, doadores anônimos e irmãos biológicos.

Até a próxima!




3 comentários

  1. Apesar de não ser meu gênero, o livro parece ter sido muito bem escrito!

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  2. Eu gostei dele, a história é bem original e os personagens bem criados. Também fiquei com gostinho de quero mais depois de terminar.

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Ana Liberato