segunda-feira, 29 de junho de 2015

Resenha: “Americanah” (Chimamanda Ngozi Adichie)

*Por Mary*: Quando recebi esse livro, fiquei um tanto incerta quanto a ele. Sabe quando você segura o volume como uma espécie rara a ser observada? De início, notei a bela capa que utiliza formas e cores que aliam o africano ao americano; e, logo depois, a contracapa com estampa étnica (muito bonita, por sinal). Li a sinopse, mas permaneci incerta e, em seguida, fiz algo que não costumo: fui pesquisar mais sobre a obra.

Veja bem, não gosto de ler resenhas antes para não me influenciar de algum modo, mesmo que indiretamente. Mas tentei saber mais sobre a autora, a publicação... essas coisas. Em meio a isso, acabei vendo algumas opiniões sobre este livro, que é elogiadíssimo tanto como obra de ficção, quanto no âmbito acadêmico. Confesso que isso me deixou um pouco intimidada. E se eu não gostasse? Eu sou do contra?

Como que enviado pelos deuses dos resenhistas, um ex-professor da faculdade postou sobre a obra no FB. E, bem, o cara – que é um chato de galocha – amou... e isso me deixou ainda mais intimidada. Para neutralizar isso, tive que deixá-lo esperando um pouco, porque não me sentia no clima (até já falei sobre maturidade literária na resenha de P. S. Eu te amo) e não queria correr o risco de ser injusta com um bom livro por simplesmente não estar em um momento literário condizente.

Creio que isso foi muito bom, porque Americanah é o tipo de livro despretensioso. Sinceramente, tenho um pouco de preconceito com livros demasiado pretensiosos. Quero dizer, parece que o autor constrói a história não por ela mesma, mas para chocar, ensinar ou para ser Cult. Por esse motivo, algumas vezes, histórias supervalorizadas são vendidas pela “imagem” intelectual transmitida, em vez de por sua qualidade.

Seguindo um caminho inverso, Chimamanda cria uma história profunda e substancialmente leve sem se tornar cansativa, ou como se quisesse nos empurrar goela abaixo um ensaio sobre etnia, raça e preconceito. Logo nas cem primeiras páginas, a autora consegue abordar política, fanatismo religioso, costumes, paternalismo e misoginia. 
“Minha mãe acusou o homem publicamente e ele ficou furioso e deu-lhe um tapa, dizendo que não ia aceitar que uma mulher falasse com ele daquele jeito. Então minha mãe se levantou, trancou a porta da sala de conferências e pôs a chave no sutiã. Ela disse a ele que não podia retribuir o tapa, pois ele era mais forte, mas que ele teria de pedir desculpas publicamente, na frente de todo mundo que vira o tapa nela (...). As pessoas diziam ‘Como ele pôde dar um tapa numa viúva?’, e isso a deixou ainda mais irritada. Disse que não deveria ter levado um tapa por ser um ser humano completo, não por não ter um marido para defendê-la.” 
Depois de treze anos vivendo nos Estados Unidos, Ifemelu está decidida a voltar ao seu país de origem: a Nigéria. Para tanto, se desfaz de seu apartamento, fecha um blog de sucesso e termina com o seu namorado americano, Blaine. Algo parece faltar e, de algum modo, Ifemelu acredita que essa parte que falta está na Nigéria, esperando-a. Sentada em um salão de beleza, Ifem relembra sua adolescência na Nigéria, seu namorado de escola e faculdade, Obinze, e os fatos que a levaram a morar nos Estados Unidos, bem como sua difícil adaptação ao ocidente, novos amores e, por fim, a necessidade insana de retornar.

Na Nigéria, Obinze recebe um e-mail de Ifemelu que mexe com ele muito mais do que gostaria. Apesar de estar casado e ter uma filha, não pode negar que jamais esqueceu seu primeiro amor (e nunca pôde compreender o motivo de ela ter se afastado). Mesmo depois de tantos anos – de ter construído uma fortuna considerável e se estabelecido – não consegue deixar de se perguntar “E se...?”. E a chegada de Ifemelu irá mostrar se tudo o que tiveram realmente ficou no passado ou se há alguma possibilidade de restaurar a ruptura causada pela distância.

Apesar de não seguir uma narrativa linear, Chimamanda consegue deixar tudo muito claro. Com capítulos bem marcados e partes igualmente bem delimitadas, o leitor não se perde e é como se a autora tivesse o feeling perfeito de puxar você para o caminho que ela quer que siga sempre que te sente perdendo o fio da meada. É bastante perceptível, nesse sentido, a sensibilidade da Chimamanda, que parece ter o compasso adequado para que a obra não perca o sentido ou fique maçante.

Por outro lado, o retorno de Ifemelu à Nigéria me pareceu pouco explorado. Isto é, boa parte do livro é dedicado a contar sobre o passado da protagonista, desde sua adolescência na Nigéria – perpassando pelos fatos que a levam a ir morar nos Estados Unidos – até os anos passados na América, quando decide retornar. Acontece que isso tudo toma, pelo menos, dois terços do livro e é apenas no último terço que ocorre a chegada de Ifemelu à sua terra natal. Até aí tudo bem, não fosse a sinopse dar a entender que o ponto central da obra é sua readaptação à Nigéria. Isso acontece? Sim! Mas de forma bem rápida. 
“Aisha fez Ifemelu se lembrar do que tia Uju disse quando finalmente aceitou que ela estava falando sério sobre voltar à Nigéria – Você vai aguentar? –, e a sugestão de que ela havia sido irrevogavelmente mudada pelos Estados Unidos a fez sentir como se sua pele estivesse cheia de espinhos.” 
No entanto, diante da magnitude da obra, não considero que esse detalhe possua tanta relevância. Narrada em terceira pessoa, Americanah é uma obra bem fundamentada, contada de forma ágil. A leitura flui. Se o tamanho assustar você, o medo vai embora logo no primeiro capítulo. É o tipo de livro gigante que, quando você se dá conta, já devorou metade das páginas.

Além disso, os personagens são muito humanos, muito verossímeis. A Ifemelu é cheia de defeitos, mas isso dá a ela uma carga de realidade indescritível. Obinze, um cara idealista e romântico, também está longe de ser perfeito. Sem dúvida, esse grau de humanidade deixa a obra ainda mais valiosa.

O único grande erro da Chimamanda foi esse aqui:

Duerdinhito? Sério? Tudo bem que brasileiro adora um nome complicado, mas Duerdinhito foi demais. Da próxima vez, tenta Wandherkleudysson. ;)


Não posso me esquecer de mencionar a ambientação, claro. É interessante como a autora aborda isso, fazendo piada tanto sobre o senso comum ocidental acerca da África, quanto à ocidentalização dos próprios nigerianos no que se refere à supervalorização dos costumes estrangeiros e a corrupção do país. Pari passu, estamos tão habituados à ponte aérea literária EUA-Inglaterra-(algumas vezes)Brasil, que um local “exótico” dá uma arejada na leitura.

Por fim, fiquei com a impressão de que alguns núcleos não foram completamente encerrados, o que me faz pensar que a autora quis deixar em aberto para um eventual segundo volume. Procurei algo a respeito, mas não encontrei nada. Sendo assim, se alguém aí souber alguma coisa, me conta, por favor!

Bom, Americanah tranquilamente pode ser indicado tanto para quem quer apenas um romance bacana para relaxar em um dia de chuva quanto para quem gosta de temáticas mais sérias, pois de uma forma bastante inteligente se faz uma reflexão perspicaz relativa a uma gama de temas complexos. Não perca tempo, conheça você também a Nigéria pelos olhos da nossa protagonista. 
“Obinze devia ter tomado as rédeas e começado a falar com Ginika, Kayode devia ter ido embora, Ifemelu devia ter ido atrás e o destino dos deuses teria sido cumprido. Mas Obinze falou pouco e Kayode teve que sustentar a conversa, com a voz ficando cada vez mais exuberante, e de tempos em tempos ele olhava de soslaio para Obinze, como quem desejasse incentivá-lo. Ifemelu não soube quando exatamente, mas, naqueles instantes, enquanto Kayode falava, algo estranho aconteceu. Um tremor dentro dela, uma revelação. Ifemelu se deu conta, de repente, de que queria respirar o mesmo ar que Obinze.”


*HABEMUS FILME*


Na verdade, ainda não habemus realmente filme, mas os direitos para o cinema foram comprados pela atriz Lupita Nyong’o, vencedora do Oscar de melhor atriz por Doze Anos de Escravidão (aqueeeela do vestido de pérolas roubado). Confesso que já super visualizei a Lupita no papel de Ifemelu e fiquei animada. Idubitavelmente, há bastante material para uma boa adaptação, mas, como bem sabemos, isso depende de diversos fatores. Mais uma vez, aguardemos.





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Ana Liberato