*Por Mary*: Olá, prezados amigos! Segurem os forninhos, que todos
caíram depois deste livro. Eita, Giovana!
Normalmente, eu sigo uma estrutura de resenha que
consiste em um resumo breve do livro, para, então, prosseguir com minhas
impressões. Contudo, hoje, farei diferente, porque julgo que Uma Garrafa no Mar de Gaza,
definitivamente, merece uma sinopse mais trabalhada.
Um atentado terrorista em um café israelense é o mote
inicial de Uma Garrafa no Mar de Gaza.
Um homem-bomba se explodiu, matando diversas pessoas, dentre as quais está uma
moça acompanhada de seu pai. Ela se casaria horas depois, mas não pôde usar o
seu vestido branco a tempo. Nos jornais, há um noivo inconsolável diante da
perda. Em uma casa qualquer de Jerusalém, está Tal Levine, que não consegue
tirar as imagens de destruição da cabeça, assim como é incapaz de se esquecer
da jovem desconhecida que teve os seus sonhos de um futuro cheio de planos tão
brutalmente interrompido.
“O noivo-que-não-pôde-se-casar aparecia arrasado diante do caixão. Ele quis colocar a aliança no dedo da noiva, mas o rabino não deixou, disse que a lei religiosa proibia que se celebrasse a união com uma morta. Eu me pergunto se a lei religiosa dedicou algum capítulo à conduta que se deve manter em casos de desespero.”
O atentado ocorreu tão perto de sua casa, que Tal foi
capaz de sentir os tremores causados pela explosão. Poderia ser ela. Poderia
ser qualquer um de sua família. Ou algum amigo. Ou, ainda, seu doce Ouri.
Atormentada pelos pensamentos, ela escreve cartas. Cartas que jamais serão
enviadas. Cartas que sequer possuem um destinatário. Nada mal para uma futura cineasta.
É, então, quando tem uma ideia: e se enviasse esta carta, dentro de uma
garrafa, diretamente para Gaza? E se esta garrafa encontrasse uma palestina da
sua idade, que, igual a ela, estivesse cansada da guerra entre judeus e
palestinos? Sonhador, talvez. Elas, sozinhas, não poderiam fazer muita coisa
pela paz entre dois países inteiros. Porém, sem dúvida, tal amizade poderia
representar uma centelha de esperança.
“Sinto muito medo e muita esperança ao escrever para você. Nunca escrevi uma carta para alguém que não conhecesse. Dá uma sensação estranha. Não tenho certeza de estar conseguindo dizer o que quero.
(...)
“Mas, se esta carta tiver a sorte de encontrar você, se você tiver paciência de lê-la até o fim, se você pensar como eu, que precisamos aprender a nos conhecer, por mil bons motivos, a começar por nossas vidas, que queremos construir em meio à paz porque somos jovens, então me responda.”
Quem encontra a garrafa de Tal, todavia, é Naim
Al-Farjuk, um jovem palestino de 20 anos que tenta arduamente afastá-la com
respostas cínicas cheias de sarcasmo e ironia ácida. Apesar disso, as ideias
políticas similares e a impressionante honestidade, dotadas de uma vivacidade
apaixonante, fazem com que Naim sucumba à insistência de Tal, criando a partir
daí uma belíssima amizade.
“Me diga apenas se você está bem. E, por piedade, sem fazer jogos de palavras, sem ironia, sem cinismo. Ou melhor, sim. Dessa vez não vou me incomodar: tenho certeza de que, quando você é cínico, é sinal de que não está tão mal, no fundo.”
Apesar de haver uma grande interação via carta, e-mail
e mensagens instantâneas entre Tal e Naim, não se pode classificar Uma Garrafa no Mar de Gaza como um
romance epistolar, porque há ações entremeadas à história. A trama é narrada em
primeira pessoa, com capítulos na voz de Tal e, também, de Naim. A narrativa é
bela, escrita de um modo sutil, doce, tranquilo... acho que não dá para
determinar de forma incisiva como esse livro é marcante.
A impressão que dá é a de que o narrador conversa com
o leitor. É como se, a todo tempo, Tal e Naim estivessem escrevendo uma carta
com a história deles, porém endereçada ao leitor. Há poesia em prosa. Há a
tentativa de desfazer o senso comum do drama israelo-palestino, sem explorar a
tragédia e a miséria humana, apresentando-nos dois países com pessoas reais,
que vivem suas vidas apesar da guerra e que desejam muito uma união dos povos.
“Nossos povos nunca concordaram em relação às palavras. Vocês dizem ‘Israel’, nós dizemos ‘Palestina’. Vocês dizem ‘Yerushaláyim’, nós dizemos ‘Al-Quds’. Vocês dizem que estão procurando terroristas na cidade de Siquém, e nós dizemos que vocês estão no encalço de nossos combatentes na cidade de Nablus. (E é a mesma cidade! São os mesmos homens!) Vocês dizem ‘terrorista’, nós dizemos ‘mártir’ (quando ele morre, claro. Se não, será um combatente, um corajoso combatente). Vocês dizem: ‘Comecemos pela segurança e depois haverá paz’. E nós dizemos: ‘Comecemos pela paz, a segurança virá com ela, depois’.”
Aliás, uma palavra-chave para A Garrafa seria PAZ. A trama aborda de uma forma muito bonita a
busca pela paz. Mas, além disso, a autora suscita a ideia de EGOÍSMO. Não de
uma forma negativa ou pejorativa, pelo contrário. O egoísmo do qual vos falo,
neste momento, é a possibilidade de se dar ao luxo de pensar apenas em si
mesmo. A nós, que felizmente não vivemos a incerteza de um homem-bomba invadir
o café em que estamos batendo papo com alguns amigos, parece um pouco distante
– talvez até difícil – de compreender quão grande é essa possibilidade de
pensar apenas em nós.
Com Naim e Tal, aprendemos que não se trata de um
garoto palestino e uma garota israelense, mas de duas pessoas que, por azar –
ou sorte, nunca se sabe – nasceram em nações contrárias, que estão guerreando
entre si. Valérie transmite muito bem essa ideia de desfazer o senso comum. A
própria Tal, que sonha em ser cineasta, em determinado ponto do livro participa
de um documentário no qual deverá gravar a cidade de Jerusalém como ela a vive.
A mim, pareceu uma alegoria, porque a imagem que temos de Israel e Palestina é
meio generalizada.
“Eu não aguento mais essas imagens, elas me dão vontade de vomitar, que jogo é esse que passa ao vivo há quinze anos na televisão e que nunca tem fim? Que caricatura é essa? Até nós começamos a acreditar que não passamos disso, garotos que atiram pedras nos soldados malvados para expulsá-los. Não existe mais o singular, eu, tu, ele, ela, só um plural: os palestinos. Os pobres palestinos. Ou os malvados palestinos, talvez. Mas sempre o plural. Para os que nos amam sem nos conhecer, nunca somos um + um + um, mas quatro milhões. Carregamos todo o nosso povo nas costas, isso pesa, pesa, pesa, esmaga, dá vontade de fechar os olhos.”
Em Uma Garrafa
no Mar de Gaza, Valérie Zanetti nos leva a conhecer dois países belos, com
cultura rica e milenar, apresentada pelos olhos de dois jovens que representam
uma geração mais aberta religiosamente, que anseia por transitar livremente
entre os países, que necessita ser vista por si mesma e não por suas nações. A
autora consegue, magistralmente, relacionar um tema polêmico de forma poética.
Se você deseja um livro envolvente, bem escrito, coerente, despojado de
pré-conceitos e inteligente, Uma Garrafa
no Mar de Gaza é a escolha certa.
*Habemus Filme*
Uma Garrafa no Mar de Gaza foi adaptado para o cinema
em 2013, com título homônimo. Se você ficou interessado pelo filme, ele está disponível no Netflix e é possível achá-lo facilmente em Torrent. Mas, de verdade, você precisa ler o livro. Vai por mim.
No mais, aqui vai o trailer:
“Um dia vocês, nós, perceberemos que, na violência, não há vencedor possível, que esta é uma guerra de perdedores. Um desperdício.”
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