Tradução
de Daniela P.B. Dias
Por Kleris: Sabe aquela história de que é nos frascos menores que estão as melhores fragrâncias? É neste pequeno romance e na vida peculiar deste carteiro que temos um livro incrível. Pensar nele me faz lembrar também daqueles achados (ou perdidos) que se concentram embrenhados em confins de bibliotecas e que guardam enredos extraordinários como pequenos segredos, esperando só um leitor topar ali, sem querer – pode-se dizer que topei sem querer, afinal, foi um presente ^.^
Bilodo se sentia fazendo parte da vida do bairro, e considerava que tinha um papel discreto, porém essencial nela. Para ele, entregar a correspondência era uma missão a ser cumprida conscienciosamente, sabendo que assim estava contribuindo para a manutenção da ordem universal das coisas. Ele não tinha vontade de trocar de vida com ninguém no mundo. Exceto, talvez, com outro carteiro.
Bilodo
é um jovem carteiro humilde, sem muitas pretensões e de vida pacata. Enquanto
uns são mais propensos a sair para noitadas, Bilodo tem ooooutros interesses, e
seu trabalho é certeiro para alimentar um vício secreto: espionar e ler
correspondências das pessoas e conhecê-las pelo que escrevem – ele captura as
cartas antes de chegarem ao destino e depois devolve, entregando aos de fato
destinatários. Esse vício o levou para outro, de stalkear correspondências de dadas pessoas. Nisso, Bilodo acabou se
apaixonando por Ségolène. Quer dizer, pelos haicais que esta trocava em
correspondências com um homem, que morava na cidade de Bilodo. Com o tempo,
quanto mais ele alimenta esse vício, mais barreiras ele se vê tendo que
transgredir.
O
destino então lhe reserva uma
reviravolta que ou findaria seus pequenos crimes contra correspondências
alheias ou lhe obrigaria a tomar uma decisão drástica para conseguir manter
esse vício. Eis a tragédia: quando o homem com quem Ségolène trocava cartas foi
postar a nova correspondência, ele foi atropelado pelo veículo dos correios,
onde Bilodo estava. O tal homem, Grandpé, morre ali mesmo e a carta é engolida
pelo esgoto por conta do rio que se formou no temporal que caía. E agora, como
receber mais cartas de Ségolène? Como matar aquela ansiedade por seus haicais?
Como se conectar a essa mulher? Como dar continuidade a essa... paixão?
Montanhas austeras
em segredo esperam
serem enfim conquistadas
Ostentam bravura
em roupas contra avalanche –
mas no fundo, frágeis
A vida peculiar de um
carteiro solitário fala de fascínios. Resgatando as
correspondências, Denis coloca as cartas como as verdadeiras e perdidas almas de uma comunicação que
ficou para trás. Quem, afinal, ainda escreve à mão? E cartas? E troca
regularmente? E nelas brinca com as palavras, com a vida? Os fascínios aqui transitam
desde o fato de escrever cursivas #aletradaspessoas às poesias que as letras e
sons e o imaginário podem formar. Agora imagina uma pessoa que é fascinada pelo
fascínio dos outros (eu): fiquei apenas APAIXONADA por como o autor descreve,
insere e encaixa as construções artísticas nessa trama beeeem peculiar.
Bilodo geralmente almoçava no Madelinot, um restaurante que não ficava muito longe da Central de Triagem, e, depois da sobremesa, passava um tempo praticando caligrafia – a arte da bela escrita manual, que havia adotado como hobby. [...]
Os colegas de Bilodo nos Correios não entendiam. Quando o bando barulhento adentrava o Madelinot, na hora do almoço, zombavam dos seus esforços caligráficos, chamando-os de garranchos. Bilodo não se ofendia, porque afinal aqueles eram seus amigos, e também porque, se tinham culpa de algo, era apenas de serem ignorantes mesmo. À exceção de uma pessoa informada, ou um entusiasta devotado àquela arte como ele próprio, quem iria saber apreciar a beleza sutil de um traço de caneta, o equilíbrio delicado de proporções de uma linha bem-traçada?
Muito mais atraentes, sem dúvida, eram as cartas das outras pessoas. Cartas de verdade, escritas por pessoas de verdade que preferiam o ato sensorial de escrever à mão e a expectativa deliciosamente lânguida de aguardar pela resposta à frieza reptiliana dos teclados e à instantaneidade da internet [...].
capa com envelope fechado |
A
escrita de Denis é uma poesia em prosa e uma prosa em poesia. Já mencionei em
algum post por aqui que AMO metaficção e que é um tema de difícil escrita, pois
segurar e amarrar a história como deve ser ou se intenta, é bem complicado, é
um delinear de camadas de enredos. Para as camadas que envolvem em A vida peculiar, o autor se saiu muito
bem, muito ambicioso. Foi deliciosamente singelo e simplório (que me fez amar
mais ainda!).
Os poemas de Ségolène, por mais que fossem muito diferentes entre si, tinham todos a mesma forma, sempre com três versos: dois com cinco e um com sete sílabas, somando sempre dezessete sílabas – nem mais, nem menos. Sempre a mesma estrutura misteriosa, como se fossem regidos por um código.
capa com envelope aberto |
Por
tratar-se justo de uma escrita sobre escrita, imaginei que a leitura fosse se mostrar
lenta, mas não, ela flui bem rápida e, com 128 páginas, é para uma sentada só. Parece
um filme francês, aliás (quero filme já!). Você não encontra muita ação na
história, porém, tem umas reviravoltas magníficas. Com pitadas de mistério e
suspense, que a verdade seja dita: Denis prega várias peças na gente. Uma
preciosidade só!
Para derrubar o forninho de vez, o projeto gráfico do livro é liiiiiiindo demais. A capa é em formato de carta (com um segredo para se espiar) e seus versos têm ilustrações com selos, a diagramação é permeada de carimbos, selos e flores, e como não falar das poesias e haicais? Igualmente bem trabalhados.
Este é o segundo romance deste autor canadense e estou doida para conhecer o primeiro, que foi muito premiado (mas acho que ainda não chegou por aqui =/). Como veem, curti bastante e sim, shippei muito. Vou parar por aqui se não entro nos méritos das jogadas do destino e do tempo.
Magnifique! Admirable!
Segurem
aí o meu recomendadíííííííííííííííííííííííííííííííííííííssimo!
Até a próxima!
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Oi Kleris!
ResponderExcluirNão conhecia o livro. Parece ser aquele tipo de história simples, mas que consegue ser tocante.
Nossa...eu adorava escrever cartas...
Beijos,
alemdacontracapa.blogspot.com
Oi, Mariana. Tbm escrevia cartas :) Denis me levou de volta ao passado quando falava de letras e a espera por respostas... Ele pode ser bem arrebatador quando quer!
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