Por
Kleris: Ah, Parri... Parri de encontros e desencontros, como
sempre. Faz quase uns dois anos que tinha lido esse livro por acaso e na época
foi todo o arco-íris que eu precisava. Foi tão não sei o que dizer, só sentir que eu não conseguia achar palavras
para falar dele (embora tenha mencionado por alto aqui).
Até hoje. Cá estou para te fazer mergulhar nesse açucarado romance, com pitadas
de romã, pingos de chocolate e cachoeiras de metaficção, metaleitura, metatudo.
Vale textão de resenha e vale muitas quotes. A propósito, preparem-se com os
marcadores adesivados!
Sabe
quando você passa por uma grande decepção e cai nos braços de um livro
maravilhoso? É essa a sensação de Aurélie Brendin ao ler o romance O Sorriso das Mulheres, escrito por um
tal de Robert Miller, autor inglês que fora publicado direto para o francês. Fora a maravilhosa trama e escrita, o encanto de Aurélie se dá por várias
razões: 1) ela encontrara o livro muito por acaso durante uma fuga da polícia
(ela se refugiou numa livraria) 2) o livro cita diretamente o restaurante dela
como ambiente da narrativa 3) a heroína do livro é muito parecida com ela.
— Quem é você, Robert Miller? — perguntei à meia-voz, e meu olhar voltou ao homem sentado no banco do parque. — Quem é você? E de onde me conhece?
Quem
não ficaria com uma pulguinha atrás da orelha depois dessa? Seria destino?
Coincidência? Não importa, Aurélie tinha que conhecer esse moço! Só que ao
buscar informações sobre o autor, ela descobre enormes (e inusitados)
obstáculos: não há informações diretas, não há contato e, pior, ao que parece,
Robert Miller tem horror a aparecer
em público. E agora, como faz?
Bom,
aí somos levados para o outro lado da história... Uma que envolve esquemas,
mentiras e ficção demais. André
Chabanais é o revisor responsável pelo autor Robert Miller, que, bom, é rondado
por um mistério, mistério esse que põe André ao desespero quando a editora
começa a pressionar para o autor fazer uma aparição, já que o livro tem vendido
bem.
— Agora vou lhe revelar um segredo, mademoiselle Mirabeau — ele disse, e cada um de nós sabia o que viria pela frente, pois todos já tínhamos ouvido isso uma vez. — Um bom livro é bom em todas as páginas — e com essas majestosas palavras, a reunião estava realmente terminada.
Acontece
que o livro é uma “perfeita” jogada entre profissionais do mercado de
publicação de livros da qual nem o editor chefe tá sabendo. Pra piorar essa
situação, surge mademoiselle Aurélie Brendin querendo saber tudo sobre o autor,
e André, que sabe bem demais desse esquema, se enrola em mil e umas mentiras ao
se apaixonar por essa moça. Entre o amor e o trabalho, adivinha o que monsieur
Chabanais escolhe?
E então, de repente, ela estava à minha frente, e eu me perguntava com toda a seriedade se era possível que uma personagem de romance pudesse ser de carne e osso.
Se eu tivesse lido essa história em um romance, teria me divertido muito. Porém, quando se é obrigado a fazer o papel de herói cômico em uma história, ela já não tem tanta graça.
Paralelo
a esse lado ficcional, O Sorriso das Mulheres é daqueles
livros feitos para enganar o leitor.
Ao mesmo tempo em que ele puxa as cortinas do teatro do mercado de publicação
de livros, ele é uma peça, que ora escolhe dizer a verdade, ora escolhe manter
a magia que todo publicador almeja. Para um leitor que pouco entende como
funciona o trabalho de publicação, o romance não deve passar de uma leiturinha
açucarada e boba com a torre Eiffel lá atrás. Por outro lado, para um leitor
com mais visão, ele vai sacar que o livro foi “montado” exatamente para esse
fim. É algo cíclico, pois o que acontece nesse livro, acontece no plano real – o mesmo segredo que ronda Robert Miller,
dizem, é o mesmo que ronda Nicolas Barreau.
Acho
que é isso o que tanto gosto em O Sorriso... e que me conquistou
desde a primeira leitura. É esse caráter muito pretencioso, que promete e
cumpre, e faz isso de uma maneira tão diluída à trama que é capaz de pegar todo
mundo sem quase ninguém sequer notar. É preciso muita sobriedade para alguém
conseguir arquitetar algo do tipo e executar perfeitamente – sobre ser impossível, não é.
Na
releitura, inclusive, lembrei-me das peças pregadas em A Vida Peculiar de um
Carteiro Solitário (resenha aqui), e da relação de metaficção/metaleitura que
vi em Cafés Amargos (resenha aqui). No mais, há aquele quê clássico de brincar
com clichês. Há alternância de pontos de vista, mentiras que viram super bolas
de neve, grandes decepções amorosas, paixões platônicas e avassaladoras,
excentricidades, fiéis escudeiros, “frases feitas”, reviravoltas, referências,
etc, etc.
Quando se está triste, ou não se absolutamente mais nada e o mundo afunda em insignificância, ou se enxergam as coisas com uma clareza excessiva, e então tudo assume de uma só vez um significado. Até mesmo as coisas mais banais, como um semáforo que passa do vermelho para o verde, podem decidir se vamos à direita ou à esquerda.
Monsieur
Chabanais é um tremendo de um cafajeste e mademoiselle Brendin é uma perfeita
ingênua. O Sorriso das Mulheres pode ser também, nesse sentido, um livro
de crítica a todos esses elementos tão batidos e ainda assim procurados no
mercado editorial. O que podemos dizer se
eles cativam as pessoas?
A
edição é bem caprichada, tanto no texto, quanto na parte gráfica. A capa? Me
capturou desde o primeiro momento – tanto é que eu nem sabia com o que tava
lidando da primeira vez. Tem totalmente a cara de livro que guarda a sensação
de um achado e a cara de livro que
esconde muitos segredos. Pra completar, traz as receitas mencionadas pela nossa
heroína cozinheira. De uma maneira ou de outra, quase posso ter certeza de que,
como diz o aviso na capa, este romance
fará você feliz. Recomendo!
Há
chances de eu estar enganada em várias de minhas percepções, mas vá lá,
deixe-me conspirar :)
Em novembro do ano passado, um livro salvou minha vida. Eu sei, agora parece muito improvável. Alguns podem até considerar exagerado ou melodramático eu dizer algo do gênero. Só que foi exatamente assim que aconteceu.
— Ah, Aurélie, que conversa é essa? Você é uma velha teórica da conspiração.
E
aí, o que vocês acham dessa super premissa de livro?
Até
a próxima!
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