sexta-feira, 1 de julho de 2016

Resenha: “Azeitona” (Bruno Miranda)


Por Kleris: Best-seller nacional, Azeitona faz parte da leva de livros de youtubers que nada tem de biografia, tampouco é diretamente ligado à mídia de sua fama; o único empréstimo aqui, por assim dizer, é de seu público. E, posso dizer, Bruno Miranda figura bem nas prateleiras de ficção brasileira.

Em Azeitona, os personagens Ian e Emília se veem numa situação um tanto inusitada: o que dizer de participar da mais nova temporada de um reality show dedicado a pais adolescentes quando você nem espera um bebê e nem tem um relacionamento com seu suposto parceiro? Alguns poderiam esperar fama, porém a motivação do jovem casal está mais ligada ao anonimato... Um anonimato de bolso cheio. 

Seduzidos pela ideia de garantir algum dinheiro para o que a vida lhes reserva, Ian e Emília topam driblar a produção do programa, assim como mentir para todo o Brasil. Sustentar essa pequena grande mentira se torna o auê que vai balançar mais que a trama, vai levantar também questões significativas no que diz respeito às relações familiares.

A trama transita entre os núcleos de Ian e Emília e mostra o que o dinheiro fácil representa para eles: Ian quer ajudar em casa, vez que a irmã, Íris, grávida, está para se formar e a grana deles é apertada – sem falar que ele se sente um peso, pois Iris teve que se virar para criá-lo quando se viram sem os pais tão cedo; e Emília, que nem precisa tanto assim, mas acha que um bom dinheiro viria a calhar para sair de casa e se ver livre da mãe; ambos são adolescentes prestes a iniciar a vida adulta e estão bem dispostos de seguir a qualquer custo com o plano. 
— Eu ainda não pensei em tudo, mas acho que não tem motivos para se preocupar. É como se estivéssemos participando de um reality normal, isso não é legal? – Ian esperou a resposta, mas Emília permaneceu estática. — A única diferença é que você precisaria estar grávida. Você poderia usar talvez... aqueles enchimentos e fingir um enjoo ali, um desejo aqui...
— E quando o bebê nascer?
— Que bebê?
— Pois é, Ian.

Vez que a voz de narração é onisciente, temos uma melhor visão da ação do livro. Em um primeiro momento o ritmo é lento, para nos ambientar sobre como a bola de neve de mentiras se desencadeia, mas tão logo o programa Novos Pais começa a ser gravado, o ritmo engata com uma série de reviravoltas. É engraçado que a gente já imagina que caminhos que o enredo vai tomar, mas tem hora que não tem jeito, Ian e Emília se jogam à sorte para escapar dos becos aparentemente sem saída e haja coração para segurar nossas expectativas. Aliás, o autor é bem criativo, tanto para construir as situações, quanto para nos derrubar nelas.

Nesse meio tempo, Bruno também passeia por diversos núcleos familiares. Aqui, através de momentos mais silenciosos da narrativa, assistimos como vários temas relacionados à gravidez precoce acabam se adequando por si só à trama, como o acolhimento da família, o preconceito/julgamento da sociedade, as responsabilidades que acarretam, dentre outros. Toca-se ainda em questões de diálogo e como às vezes os pais colocam um bem acima dos filhos e se esquecem de ouvi-los. Além de Ian e Emília, personagens como Caio e Lisa roubam nossa atenção e bem figuram essas realidades. 
— Não, não – Ian respondeu rapidamente. — Não estou dizendo que você seja o culpado. Mas você precisa entender o que está quebrado para poder consertar. Eu não acredito que você seja o problema, mas com certeza algo precisa ser consertado, entendeu?

Com humor e carisma, Bruno nos conduz a um enredo inteligente e verossímil. Para o gênero, ele sai do lugar comum sem abrir mão de alguns clichês, que funcionam. Em dadas horas de leitura batia até o sentimento de que o autor estava pulando esses “fatores mais batidos” por pular – como o fato de não focar no romance adolescente, não se utilizar de figuras de mocinhas/mocinhas e vilões ou mesmo de apelações – mas talvez nossas prateleiras já estejam cheias, como diz a Chimamanda, de “histórias únicas”, e uma vez que alguém segue outro caminho, a gente já sente, então encaro como algo positivo :) No mais, a abordagem leve e até cômica faz toda a diferença.

Azeitona é um livro de leitura rápida para quem busca se distrair e se envolver com uma história bem trabalhada. Para um autor principiante, Bruno tem uma excelente desenvoltura. No começo você não diz muita coisa, mas o desenvolvimento fala por si. Minha leitura, inclusive, deu uma empacada no início – que me pegou justo na época de um bloqueio daqueles – e então engrenou de vez. Já espero por mais livros, que ele já prometeu :) Recomendo.

O título, como alguns já sabem (vide “spoiler” aqui), tem uma ótema sacada; não poderia ter um melhor que esse. A capa igualmente combina e traz cores fortes para te chamar da prateleira da livraria. Além de marcar a estreia de Bruno na literatura, marca a estreia do selo Outro Planeta, comandado pelo nosso querido Felipe Brandão.

Espero que gostem e digam lá suas impressões ;)

Até! 
— E aí, tudo bem? – Emília perguntou para Lisa.
— Aham – a garota olhou para a própria barriga e pousou a mão sobre a blusa folgada. — Ele só tá se mexendo muito, até fiquei preocupada, mas minha mãe falou que nessa fase que tô isso começa a acontecer. Espera só quando for você, dá um pouco de agonia.
Emília estava esperando que Lisa falasse de si, e não sobre o bebê. Em alguns momentos ela se esquecia que, entre todas aquelas garotas, apenas ela não esperava um bebê e apenas ela não pensava naquilo o tempo todo.



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Ana Liberato