Por Marii: A vida de Eurídice Gusmão e Guida
Gusmão nos faz perguntar como a história de duas irmãs tornou-se tão diferente
e, ao mesmo tempo, tão limitadas pelos preceitos machistas de uma sociedade de não muitos anos atrás. Desse mesmo
Brasil que hoje moramos. E, embora, ainda haja marcas profundas desse machismo.
Nesse livro, senti que é muito difícil não conseguir gritar depois que
começamos a ganhar alguma voz.
“Porque Eurídice, vejam vocês, era uma mulher brilhante. Se lhe dessem cálculos elaborados, ela projetaria pontes. Se lhe dessem um laboratório ela inventaria vacinas. Se lhe dessem páginas brancas ela escreveria clássicos. Mas o que lhe deram foram cuecas sujas, que Eurídice lavou muito rápido e muito bem, sentando-se em seguida no sofá, olhando as unhas e pensando no que deveria pensar.”
Apesar de inicialmente achar que A vida invisível
de Eurídice Gusmão fosse discursar sobre princípios feministas, me enganei ao
encontrar uma personagem que poderia ter
sido e ainda sim criar um interesse mesmo com a quebra de expectativas. Poderia
ter sido, pois entre tantos os interesses que poderiam ter sido realizados e Eurídice
vai descobrindo no decorrer de sua vida, tantas escolhas que poderiam ter sido
feitas, Eurídice foi uma personagem limitada que teve que cumprir seu dever de
dona-de-casa, mãe e esposa, e não teve muito espaço, ou melhor, muita liberdade
para pensar em si.
“Eurídice pulos por dentro e por fora, mas os pais disseram que não, talvez não, com certeza não. As aulas com o senhor Jean Luc estavam indo muito bem, pra que mais? Para os pais de Eurídice, a flauta jamais seria um fim. A flauta era apenas um meio. Um meio de aumentar as prendas da filha para que fizesse um bom casamento. Um meio de distrair a família depois do jantar, quando um ou outro pedia: ‘Toque esta marchinha! ’. Eurídice não precisava de mais aulas com aquele excêntrico senhor de calças coloridas.”
A história do livro inicia-se com a vida de Eurídice
Gusmão, mas não conta só sobre a vida dela, há outros personagens próximos como
o marido Antenor, ou a vizinha fofoqueira Zélia. Isso, porque o livro é cheio
de flashbacks da história de vários personagens a fim de explicar
personalidades ou atos, por vezes, injustificáveis. Durante o livro inteiro
viajamos pelo passado de personagens que vão surgindo na história e se
misturando a vida de Eurídice. E entre esses personagens, está a segunda
personagem muito importante, sua irmã, Guida. Demora um pouco até conhecermo-la,
apesar do livro não ser para lá de muito grosso. Mas até o momento não havia
nenhum grande clímax, ou eu nem imaginava onde eu desejava chegar. Percebi,
depois, que todo o momento anterior e todas as histórias serviram-nos para nos
preparar ao que viria a seguir, como também a nos fazer perceber a limitação das
personagens mulheres que poderiam ter sido, como Eurídice.
Antes que tratemos de Guida, ou qualquer outro
personagem. É importante frisar que o livro retrata de forma clara e direta o
que era essa sociedade, que há menos de cem anos, pode ter sido vivenciada pelas
nossas avós. E apesar, de desagradável hoje aos nossos olhos, são nas ironias e
no humor simples, em pequenos detalhes, que Martha batalha faz as críticas que
eu esperava. Achei bem cuidadoso o uso de palavras ou até expressões que se
popularizaram, de saberes populares, como o famoso: formiga faz bem para os olhos. É aquela doçura de coisas que
nossas avós nos diziam quando éramos crianças. Cada momento que lia algo assim,
era um sorriso.
“’Sabe aquela brincadeira de rabo de burro? ’‘Que?’‘Aquela brincadeira de rabo de burro. Quando a gente tapa o olho da criança e diz que ela tem que colocar o rabo no burro. Aquela que a gente fazia nas quermesses da igreja.’‘Sim.’‘A vida é como essa brincadeira, Eurídice. Ás vezes a gente acha que está fazendo tudo certo, mas quando se dá conta descobre que estava com os olhos tapados e não consegue acertar de jeito nenhum.”
Voltando a Guida Gusmão, a irmã mais velha de Eurídice,
que apesar da mesma família, não teve o mesmo destino que nossa personagem
principal. Teve um destino mais infeliz, e enquanto lia sobre a história de
Guida Gusmão, por um narrador em terceira pessoa que não tem o que esconder
sobre a boa reputação da moça, descobrimos
uma personagem que tinha uma vontade de sobreviver, mas que não conseguiu escapar
das línguas afiadas da sociedade. Pessoalmente, me interessei mais pela
personagem Guida, por ter sido a mais oprimida pela sociedade machista e ainda
sim permanecer (e sobreviver).
“E Eurídice olhava triste para as unhas, porque estava de luto. Foram difíceis os meses que se seguiram ao enterro do caderno por trás dos toma da enciclopédia. Tentou-se dedicar mais aos filhos, mas essa era uma dedicação, digamos, estrábica. Com um olho ela vestia Afonso e Cecília para a escola, e com o outro se perguntava: Será que a vida é só isso? Com um olho ela ajudava as crianças com o dever, e com o outro se perguntava: E quando eles não precisarem mais de mim? Com um olho contava histórias, e com o outro se perguntava: Existe vida além dos uniformes escolares, da memorização da tabuada e de todas as histórias da carochinha?”
A vida invisível de Euridice Gusmão não trata
apenas de Euridice, e sim, de diferentes mulheres de uma época não muito distante
da nossa e que sequer pensariam em ter voz para as suas vontades. Queria dizer
que ainda temos muito o que fazer e ainda podemos fazer muito, mesmo com
pequenos pedacinhos feministas e que podem
ser.
Até a próxima,
Mariana Diniz
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