Tradução de: Henrique de Breia e Szolnoky
*Por Mary*: Olá, pessoinhas! Hoje não vou enrolar, não. Vem comigo,
que tem livro bom pra gente conversar.
Meu primeiro – e, até então, único – contato com este autor foi com O
Menino do Pijama Listrado, que é um livro que indico para todo mundo. Fiquei
impressionada, tocada e sem palavras com a narrativa inteligente, sutil e incisiva
de Boyne.
John Boyne, aliás, parece ostentar a habilidade de arrancar distintas
emoções de seu leitor. Se, por vezes, a gente sente raiva, em outras somos
tomados pela sensação de impotência, para logo depois ficarmos chocados com as
ações de seus personagens e, muito frequentemente, sem palavras, olhando para o
nada, sem saber como reagir a alguma de suas mais impactantes cenas.
O que aconteceu com você, Pierrot? Era um menino tão doce quando chegou. É fácil assim corromper os inocentes?
Com O menino no alto da montanha não é diferente.
Pierrot é um garotinho parisiense de sete anos, filho de mãe francesa
e pai alemão, que tem como melhor amigo Anshel – um judeu com deficiência
auditiva – e vive a efervescência do nazismo. Após a perda dos pais e uma
temporada no orfanato das irmãs Durand, Pierrot se muda para Berghof, onde mora
a tia Beatrix, em uma bela mansão no alto de uma montanha alemã próxima à
divisa com a Áustria.
O senhor de Berghof é Adolf Hitler, líder do Partido Nacional-Socialista
e fundador do crescente movimento nazista; um homem sisudo, de bigode estreito
e com ideias distorcidas sobre as coisas, que logo se torna seu protetor. Constantemente
vítima das piadas e violência dos mais fortes, Pierrot experimenta pela
primeira vez, ao lado do Führer, o viciante sabor do poder. Seduzido pelo
futuro glorioso vislumbrado para o Reich, Pierrot trai não apenas as pessoas
que ama, mas, principalmente, a si mesmo.
Me apavora pensar no tipo de homem que ele vai se tornar, se isso continuar – disse Breatrix. – Alguma coisa precisa ser feita. Não só por ele, mas por todos os meninos como ele no mundo. Se não for impedido, o Führer vai destruir o país todo. A Europa toda. Ele diz que está iluminando a mente do povo alemão, mas é mentira. Hitler é a própria escuridão.
Com uma narração em terceira pessoa, John Boyne desenha de modo muito
delicado os fatos que compõem sua trama, impondo em sua escrita impressões e marcas
tão sutis que somente um leitor mais atento não deixará passar despercebido. Não
é nenhum demérito, muito pelo contrário, porque o leitor desatento, apesar de
perder parte da maestria deste grande escritor, ainda poderá se deliciar com
uma história bem contada, envolvente e fundamentada com uma pesquisa minuciosa
acerca do corte histórico a que se propõe contar.
E por falar em leitores atentos, aposto que estes terão notado breves
participações literárias, já conhecidas, entre as páginas de O menino no alto da montanha. Mas não
posso contar o que é, afinal, estragar a surpresa não tem graça nenhuma.
É muito difícil não encarar O
menino no alto da montanha de uma tacada só – eu mesma não consegui fazer
isso. Contudo, eu aconselho uma leitura com calma, pois, francamente, Boyne é
uma leitura que precisa ser apreciada, curtida, refletida. Sabem como é, façam
o que eu digo e não o que eu faço. Embora nada os impeça de ler várias vezes,
claro.
[...] Sempre odiara qualquer forma de violência, e se afastava instintivamente de conflitos. Alguns meninos na escola de Paris começavam uma briga por qualquer provocação – e pareciam gostar daquilo. [...] Pierrot nunca via; não entendia o prazer que certas pessoas tinham em machucar os outros.
Merece um adendo o desfecho desta história, que foi escrito no curso
de uma disciplina de escrita criativa ministrada pelo autor a mestrandos da
Universidade de East Anglia, Norwich. Já queremos cursar escrita criativa com o
John Boyne pra ontem? Queremos! Urgentemente!
Enfim, vou ficar por aqui deixando a minha mais sincera indicação aos
leitores que se interessam por temas históricos, especialmente a Segunda Guerra
Mundial. Portanto, se você deseja um romance interessante, uma trama envolvente
e reflexiva, inteligente, bem amarrada e com mil outras qualidades, não deixe de
conhecer Pierrot, O menino no alto da
montanha.
- Olhe para mim, Pieter. Olhe para mim.
Ele levantou os olhos cheios de lágrimas.
- Não finja que não sabia o que estava acontecendo aqui – disse Herta. – Você tem olhos, tem orelhas. E esteve naquele escritório inúmeras vezes, tomando notas. Você ouviu tudo. Viu tudo. Sabia de tudo. E sabe também das coisas pelas quais foi responsável. – Herta hesitou, mas era algo que precisava ser dito. – As mortes que carrega na consciência. Você ainda é jovem, tem só dezesseis anos. Tem muitos anos pela frente para ficar em paz com sua cumplicidade no que foi feito. Mas jamais convença a si mesmo de que não sabia. – Ela soltou o rosto dele. – Seria o pior crime de todos.
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