segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Resenha: “Recorte!” (Talita Guimarães)


Por Kleris: Hoje faço diferente, não escrevo uma resenha propriamente, mas sim um recorte sobre esta leitura. Te convido para este passeio em especial, e, para uma melhor experiência, cá deixo uma trilha sonora. Já plugou os fones no ouvido? Vem comigo.

Boy - We Were Here

We walked these streets like kings
Our faces in the wind
And everywhere we were
We made the city sing
We sang forever young
We had our fingers crossed
And when the city sleeps
It dreams of us

Sabe aqueles livros que aparecem na hora certa? Recorte! demorou para me chegar às mãos (publicado em 2015), porém, tão logo abri e li os primeiros textos, senti. Ele seria um mergulho necessário. Ele preencheria minhas pausas. Ele me encantaria. Valeria a espera. E ao fim, eu iria querer mais. E assim foi.
(guitar)
Yeah it still does

Oh love it changes shapes
It glows in many shades
We won't be gone as long as
Our echoes resonate
We need no photographs
The past's not only past
I find us everywhere
And that's how the magic lasts

Com um prefácio de guardar no bolso e todo um miolo de guardar no coração, Recorte! é um livro que procura reunir o melhor do dia a dia. A autora se propôs a recortar diariamente algo, um sentimento, uma ação, uma descoberta, algo que viveu, presenciou, ouviu, e imprimiu em cursivas em dois cadernos. Com o tempo, surgiu a vontade de compartilhar esses escritos e só de pensar em alguns, quero dar um abraço na Talita pela decisão – e olha que tenho uns bocados de abraços em débito. Da mesma maneira que ela captura e preserva o sentimento, reservo muitos deles cá comigo nas bandeirinhas azuis que demarquei por todo o livro. Prepare as etiquetas, porque você vai precisar de um montão delas!

'Cause everywhere we've been
We have been leaving traces
They won't ever disappear
We were here
We were really here
And the rains get rough
But time can't wash us off
We won't ever disappear
We were here
It was really love

Ao contexto, de procurar o melhor dos nossos dias, coisas que passam naturalmente em um borrão, revela-se também o melhor das pessoas; no caso, as pequenas experiências aqui escritas revolvem as nossas e viramos cúmplices, seja por empatia, seja por identificação. Resgatam-se as memórias, as historietas de criança, os dilemas do crescimento, os desejos ingênuos, as saudades que mais marcam, as catarses diárias. A gente para um pouco no tempo e desacelera. E conforme a leitura vai, acerta uma sintonia.

Everywhere we've been
We have been leaving traces
They won't ever disappear
We were here
We were really here
And the rains get rough
But time can't wash us off
We won't ever disappear
We were here
It was really love
Acumulados página após página, alguns ilustrados por mim mesma, meus recortes de cada dia vivido viraram exercício de apreensão sensorial da realidade. E me ensinaram a enxergar ao redor farejando vida, bebendo gestos, tateando intenções. 
É que a gente custa a descobrir para que nasce e às vezes quando não é levado a pensar muito, passa pela vida sem descobrir. 
Algumas pessoas arrancam de nós a paz. Outras restauram. E são por estas últimas que a vida vale a pena. 

It's only little things
Footmarks and fingerprints
A treasure hunt through town
It's full of evidence
Our monuments are all around
Everything's on the move
The paint is wet
All colors are new
But if you look carefully
You'll see us shining through

Para o leitor, é entregue pouco mais de 90 textos para serem lidos dose a dose. A cada pausa, dez, quinze, vinte folhas; a imersão é de vários mergulhos. O toque singelo que perpassa as páginas simplesmente me ganhou. E as percepções, claro, o olhar míope, aquele embaçado, mas imaginativo, deslumbrado e satisfeito. Talita transita pelo sensorial de maneira magnífica; é um puro exercício de contemplação. Senão, de resgate.

'Cause everywhere we've been
We have been leaving traces
They won't ever disappear
We were here
We were really here
And the rains get rough
But time can't wash us off
We won't ever disappear
We were here
It was really love

E não só de beleza vive o mundo. Os não-recortes transitam agridoces. 
Por isso este recorte é um não-recorteE não merece estar aqui.
Mas a vida é isso.
Para haver um álbum de recortes é preciso que existam coisas que não mereçam ser recortadas.
E sobrem longe de nós.
Então este recorte não merecedor de estar aqui foi recortado só para nos lembrar disso.

Everywhere we've been
We have been leaving traces
Everywhere we've been
We have been leaving traces
And the rains get rough
But time can't wash us off
We won't ever disappear
We were here
It was really love
Tenho o ipê que me cabe cultivar. Dentro das possibilidades do meu limitado jardim. Quando reconheço o tamanho do meu alcance, melhoro meu desempenho, ampliando minhas chances de melhor alcançar. 
Porque às vezes a gente precisa justamente da plenitude dos que nos toca sem motivo declarado. Daquilo que se completa sem precisar fazer sentido aos nossos sentidos. E ainda assim nos encanta.

(guitar)
We were here
We were here
We were really here

We were here
We were here
We were really here

We were here
We were here
We were really here

We were here
We were here
We were really here 
Nem todos nós nascemos com a alma de poeta sintonizada a um corpo sensível ao toque da poesia. Alguns de nós, vez em quando, tem a percepção da vida inspirada. Descobrem cores, cheiros, toques que parecem finalmente mostrar-lhes a existência de uma vida com leveza. Passam a recortar poemas das paisagens por onde passam. Ficam em um feliz estado de flutuação. O coração aquecido.
Cada um tem o seu motivo para achar, vez por outra, a vida mais bela. E aí entra uma sábia ressalva: a vida nunca deixou de ser inspiradora. Nós é que nem sempre estamos bem o suficiente para percebê-la. E por algum motivo misterioso, isso também confere sentido ao estado de não flutuação.
É que é preciso viver para aprender a se encantar. Fazer disso uma constante é o que nos impulsiona a flutuar em frente. Leve e ao sabor da brisa amiga que sopra a favor de nós, vez em quando.

(brass)
We were here
We were here
We were really here

Meus textos preferidos marquei de outra cor: A infância é leve, Do balãozinho, A vida e o encanto que dão sentido a tudo (último trecho acima citado), A caneta, Janela, A paz de cada dia, Das pessoas, O não-recorte, O avesso do recorte, Um tempo de não-recortes, O copinho II, Energia do mundo, Recorte carioca, A vantagem de ser invisível, Crença, Estimação, Quando fiquei parada vendo Mia Couto passar, Intervalo, Quem se é, onde se está, quando se está.

  
 

We're in the air
We're in the water
From the rooftops
Down to the pier
I'll never walk these streets alone
We were here
We were really here

We're in the air
We're in the water
Engraved into waves
Invisible ink on the walls
We were here
We were really here

Recorte! é, por fim, um bom companheiro de busão, metrô e outros transportes urbanos, lugares que você pode sentar, folhear e ler a vontade enquanto a vida corre solta. Pra mim foi uma das melhores leituras do ano. Obrigada, Talita, pelo presente <3 Espero ter conseguido transmitir a experiência neste recorte especial.

E você aí, leitor, se acha que precisa se encantar de novo pela vida, recorte. E procure por Recorte! Recomendadíííííííííssimo <333 
A gente é feliz nos intervalos, mesmo. Mas se for pensar em todos os intervalos em que já foi feliz, descobre uma vida inteira.

P.S.: We were here (Boy) foi uma música que marcou muito uma fase de exploração do mundo em exercícios antiestresse, catarse viciante, e a cada vez que retornava do passeio, lia doses em descanso. Por isso o music trip :)

P.P.S.: Encontre o livro aqui ou contate a autora aqui. Curta a página do livro e veja rodas de conversa sobre. Adicione no skoob!

Até!


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Ana Liberato