Com Sheila Shildt,
resenhista da casa
Interrogação é uma coluna do Dear Book que recebe convidados para refletir o nosso momento enquanto ideias, hábitos, panoramas e manifestos culturais. A cada post, uma pergunta e uma opinião. Todo o conteúdo de resposta é de responsabilidade dos convidados. Sem periodicidade fixa, a coluna é organizada pela dear boss, Kleris Ribeiro.
Dentre
tantas leituras, o que você diria que mais busca nas histórias?
S:
Estou enrolando para escrever para esta coluna há bastante tempo. Em primeiro
lugar, por que estou passando por uma bad
literária terrível! Muita dificuldade em ler mais que vinte páginas, logo
eu que lia um livro de 300 páginas em poucas horas... Em segundo lugar,
escrever é sempre algo que me deixa insegura e mobiliza muita ansiedade.
Conseguirei ser coerente? Explicar de fora clara os zilhões de pensamentos e
ideias que habitam minha cabecinha? As pessoas vão adorar, deletar ou – horror
dos horrores! – ignorar por completo?
Divagações
à parte, minha pergunta parecia quase irrespondível: como assim o que eu busco
em uma história? Como explicar sem ter de construir uma tese dissertativa de
mais de duzentas páginas? Ou, ao contrário, cair na tentação imensa de ser por
demais evasiva, simplista, resumindo minha atratividade pela arte escrita como
a busca por mero entretenimento vazio, que interrompa o pensar, que às vezes
pode ser angustiante?
De
toda forma, assim como nos parágrafos anteriores, o que me tomou por completo
foi justamente o clamor da indagação: por que leio? E por que leio o que leio?
E o que me leva a gostar de determinado gênero/autor/estilo narrativo e
desgostar de outro? Entendem como foi complicado? De “vamos escrever uma coluna
para o blog” passei para “vamos falar um pouquinho sobre a Sheila” e isso foi
totalmente A-P-A-V-O-R-A-N-T-E. Sou psicóloga e, numa profissão como a minha,
estou habituada a revolver o mais íntimo de cada ser humano que me procura,
mas, fora do meu espaço de terapia individual, nunca ou quase nunca pratico
esse exercício.
Assim,
demorei um pouquinho para começar a escrever, mas, eis o resultado de minhas
reflexões, e espero tentar soar minimamente coerente e acessível.
A
primeira coisa é que me dei conta do quanto minha busca pela literatura era
ditada pelo comodismo. Sim, comodismo. Eu lia sempre os mesmos autores, ou
mesmo gêneros e, apesar de ser escritora também, confesso que nunca me sentia
atraída por livros escritos pelos meus conterrâneos tupiniquins. Resenhar pelo
blog me fez adentrar um mundo completamente novo, de autores que eu nunca,
jamais teria conhecido de outra forma, e gêneros que fugiam ao que eu
usualmente procurava.
Há
várias questões clichês que podem ser ditas como a principal atratividade para
a leitura de um livro: narrativa coerente, personagens bem desenvolvidos e uma
trama bem elaborada. Eu, particularmente, me sinto atraída pelas leituras com
um ar de mistério, em que a verdade vai sendo dita aos pouquinhos, e com finais
fora do usual. Gosto de sentir o impacto da obra, daquelas em que, ao término,
precisa-se de pelo menos alguns dias para que a pessoa se recupere e pense em
iniciar um novo.
Mas
– e aqui preciso dar uma “puxada de sardinha” – acredito que o que realmente
faz de um livro algo memorável é a forma como a trama consegue de alguma forma
entrar em contato com os conflitos inconscientes daquele que lê, possibilitando
uma identificação projetiva com o conflito enfrentado, seja pelo personagem
principal em sua jornada, seja a ideia por trás da trama em si.
Para
aqueles livros que se tornam clássicos, ou que simplesmente tornam-se um ícone
entre toda uma geração de leitores, acredito que há uma temática central, quase
arquetípica, que responde aos sonhos e angústias enfrentados por uma grande
parcela de pessoas, seja por atingir um medo/anseio primordial, seja por estar
em consonância com questões socioculturais vigentes na época de seu lançamento.
É
por isso que alguns ditos “clássicos”, por mais que tenham se tornado o grande
sucesso de um tempo, são as vezes tratados por descaso pelos jovens ou pela
geração seguinte: já não são mais os mesmos conflitos, já não há mais
identificação seja com os personagens, seja com a trama. Da mesma forma, há
tramas que lidam com complexos tão profundos e universais, que se tornam quase
imortais, angariando leitores de todas as idades e épocas.
Por
fim, acabamos sendo assujeitados
duplamente ao nos depararmos com qualquer tipo de escrito: em primeiro lugar
somos assujeitados à construção
subjetiva que nos é inerente, provinda de nossa história particular, que nada
mais é o somatório de cada milissegundo de vida que tivemos desde o nascimento,
até o momento presente; em segundo, somos assujeitados
ao zeitgeist de nosso tempo, um termo
que serve para exemplificar o conjunto do clima intelectual e cultural da época
prevalente no período em que vivemos.
Claro,
que também temos o poder de sermos agentes transformadores, tanto ao assumirmos
um papel ativo na construção de nossa história, ao tornar conscientes nossas
motivações encobertas e recalcadas, e adotar estratégias de enfrentamento ao
nosso “eu” muitas vezes sabotador; bem como ao entendermos e questionarmos o zeitgeist, através de uma posição
histórico-crítica diante da realidade em que vivemos.
Mas
isso é assunto para (quem sabe) outra coluna.
Abraços
e até a próxima!
Sheila Schildt
nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 1987. Graduada em Psicologia,
trabalha na área da Psicologia Clínica em Viamão. É resenhista no blog
Dear Book, onde
começou a publicar seus primeiros contos. Como contista, participou das
antologias “Névoa” e “Sopa de Letras” pela editora Andross; “Sonhos e
Pesadelos” pela editora Aped e “Solarium 3” pela editora Multifoco. Ficou entre
os 20 primeiros selecionados do “1º Concurso de Contos Aparício Silva Rilo” (2013).
Recebeu Prêmio de Melhor Contista 2013 pela Mágico de Oz (Portugal). Publicou
seu primeiro livro “Sangue na Lua e outros contos” em 2014 pela Editora
Alcance. Atualmente trabalha na escrita de seu segundo livro de contos
“Pesadelos Diurnos”.
Contato com o
autor: schildtpsico@gmail.com
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