sexta-feira, 30 de junho de 2017

Resenha: “Romancista como vocação” (Haruki Murakami)

Tradução de Eunice Suenaga
Por Kleris: Trabalhar com livros é se envolver com sonhos de muitos. Expectativas. Universos compartilhados. Na literatura então, temos um vasto campo de mundos e entremundos para os quais somos transportados. Ao longo do fazer literário, surgem aqui e acolá alguns livros que se dedicam a tais passeios – é, aliás, um tipo de viagem que curto muito – e Romancista como vocação, do Haruki Murakami, é um desses livros.

Geralmente de ensaios, essas leituras trazem reflexões sobre uma experiência da vida literária. Há aqueles que brinquem, que pautem uma discussão mais séria, uns mais técnicos, outros que voam alto demais... Lembro-me de um trecho de O céu de Lima (Juan Gómez Bárcena), também da editora Alfaguara (resenha aqui), que mencionava livros/guias para escritores, comumente ignorados por eles mesmos, por não curtirem as supostas “amarras” ali descritas (o que pode, não pode, dentro da literatura). 

Mas, por mais que você não conheça o trabalho do Murakami (como eu), com certeza Romancista como vocação não está dentre estas categorias. Sua humildade, carisma e senso nos entregam uma leitura bem equilibrada do ofício de romancista. 
No mundo existem pessoas que montam a maquete de um navio dentro de uma garrafa usando uma longa pinça, e demoram quase um ano nessa tarefa. Escrever romances talvez seja parecido. 
Ao fazer um romance, os escritores geralmente convertem em narrativa o que existe no interior da sua consciência. O que existe na consciência e o que foi expresso são diferentes, e eles usam essa diferença como uma alavanca para criar o dinamismo na narrativa. É um trabalho cheio de rodeios, que demanda muito tempo. 
Em minha opinião, quem quer ser escritor precisa ler muito, antes de qualquer coisa. Peço desculpas pela resposta bastante trivial, mas acho que a leitura é o treinamento mais importante e indispensável para quem quer escrever. Para fazer um romance é preciso compreender, de forma quase física, como eles são formados. É uma coisa óbvia; é o mesmo que dizer: “Para fazer uma omelete, é preciso quebrar os ovos”. [...] Passar por essas experiências é o mais importante. Corresponde a criar a bagagem indispensável para um romancista.

Acho que o que mais gostei neste livro foi esse caráter sóbrio para tratar do escritor em termos de vocação e trabalho. Minha sensação foi de ter lido uma resposta para uma interrogação “bem bomba” (como costumo fazer lá na coluna), um desafio que o autor aceitou de boa – ou pelo menos uma conversa bem informal, com direito a suco e biscoitos, no sofá de sua casa. Murakami me pareceu esse hospitaleiro. 
Os romancistas possuem muitos defeitos, mas em geral têm coração aberto e são generosos com a entrada de pessoas de fora. 
Uma das coisas incríveis de ser romancista é a possibilidade de me desenvolver e inovar, mesmo com cinquenta, sessenta anos. Quase não há limite. Diferente do que acontece com atletas, por exemplo. 
Produzem romances as pessoas que desejam escrever, que não conseguem ficar sem escrever. E elas continuam escrevendo romances. Claro que, sendo escritor, aceito essas pessoas de coração aberto. 
Todos os escritores têm o direito de experimentar as possibilidades da língua através de todas as formas imagináveis e ampliar ao máximo o limite de sua eficácia. Sem esse espírito aventureiro, nada de novo será criado.

Com diversas pautas (características dos romancistas, início de carreira, prêmios literários, o fazer literário, as dúvidas mais comuns, a relação com o público, fatores exteriores à criação, fronteiras físicas e não físicas, hábitos de leitura no Japão, e outros), Haruki desenvolve os tópicos, conta diversos causos, aprendizados da carreira, dá seus pitacos, e não deixa de assumir suas ideias. Diversas vezes ele me pôs a pensar sobre situações com autores e certos conflitos, além de algumas atitudes “pé no chão” quando se trata de seguir seu próprio caminho. 
Esse seu modo de pensar não é egoísta? Sim, naturalmente é um modo de pensar bem egoísta. Não tenho como contestar. Eu aceito as críticas com resignação. 
Podem me criticar, podem me louvar, podem me atirar tomates, ou até uma linda flor; eu só consigo escrever – e viver – dessa forma. 
Naturalmente o tempo que uso para escrever é importante, mas o tempo em que não faço nada também é. [...] Acontece o mesmo com romances. Se o período de cura não for suficiente, teremos um produto frágil que não secou bem ou cujos materiais não foram bem misturados.

A maneira com que Haruki escreve, desperta fácil nossa percepção, confiança e respeito. É ousado, resiliente até, sem deixar de ser simples. E sua realidade não está tão distante da nossa, desde as flores às falhas que o mercado de publicação possui. 
Nem preciso dizer que o que fica para a posterioridade são as obras e não os prêmios. Creio que poucas pessoas do mundo se lembram da obra que ganhou o prêmio Akutagawa dois anos atrás ou do escritor que ganhou o Nobel três anos atrás. Você lembra? Mas, se uma obra for realmente boa, ela resistirá ao teste do tempo e será lembrada para sempre. [...] O prêmio literário pode acrescentar brilho a uma obra específica, mas não consegue lhe oferecer vida. 
[...] mesmo que a narrativa seja criada com materiais limitados, ainda existem possibilidades infinitas (ou quase infinitas). [...] Assim, mesmo que você pense: Não possuo os materiais necessários para escrever romances, não precisa desistir. Se mudar um pouco a perspectiva, o modo de ver as coisas, perceberá que muitos materiais estão espalhados à sua volta. Eles só estão esperando que você os perceba, recolha e utilize.

Gostosinho de ler, Romancista como vocação é um livro curto que vai num sopro. É, de fato, um presente para fãs, jovens romancistas e aficionados por literatura (texto de orelha). Vale, inclusive, deixar muitos marcadores ao lado. Você vai precisar. 
E desejo que, se possível, os meus leitores sintam a mesma coisa. Quero abrir uma nova janela na parede de seu coração e levar um ar novo até ele. É o que eu penso e desejo, sempre que estou escrevendo. Do fundo do coração, de forma bem simples. 
Às vezes recebo cartas curiosas dos leitores. Alguns dizem: “Li o seu último livro e fiquei desapontado. Infelizmente não gostei muito dele, mas com certeza vou comprar o seu próximo livro. Estou torcendo por você”. Para ser sincero, gosto de leitores assim. Sou muito grato a eles. Na nossa relação, com certeza existe uma sensação de confiança. Penso: é justamente para esses leitores que preciso escrever o meu próximo livro, com seriedade. E desejo sinceramente que o novo livro possa de fato agradá-los. Mas, como não posso agradar a todos, não sei como vai ser.

Murakami me ganhou totalmente; só falta mergulhar em um de seus livros de ficção pra confirmar minha impressão. Agora, com mais de 30 anos de produção criativa, quem diz que sei por onde começar?

Deixe uma leitora no skoob espiar... 
Para que os escritores realizem uma atividade criativa por vários anos, seja escrevendo romances ou contos, é imprescindível que tenham força para persistir. 
Mas a sorte é um simples ingresso. E o talento não é como compôs petrolíferos e minas de ouro. Não basta procurá-lo; o ingresso não é suficiente para levarmos uma vida confortável e fácil. [...] tudo vai depender do seu talento, do seu dom, das suas habilidades, do seu calibre, da sua visão de mundo ou, às vezes, simplesmente da sua força física. De qualquer forma, ter sorte não é o suficiente.


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segunda-feira, 26 de junho de 2017

Resenha: Para educar crianças feministas – um manifesto (Chimamanda Ngozi Adichie)

Tradução de Denise Bottman
Por Kleris: Imagino que após a palestra de Sejamos Todos Feministas (reveja resenha aqui), onde o discurso feminista puxou as cortinas da sociedade e plantou suas sementes, muitos puderam entender o que é o movimento, seus ideais, suas lutas. 

Mas isso foi só a introdução, uma centelha, que deixou diversas questões para discussão e compreensão real, do feminismo em si, do feminismo no dia a dia, de como reagir ante as lutas; e Para educar crianças feministas é esse passo seguinte. É uma resposta mais direta para algumas de nossas inquietações quando se trata de mudar o comportamento. 
Há alguns anos, quando uma amiga de infância – que cresceu e se tornou uma mulher bondosa, forte e inteligente – me perguntou o que devia fazer para criar sua filha como feminista, minha primeira reação foi pensar que eu não sabia.
Parecia uma tarefa imensa.
Mas, como eu me manifestara publicamente sobre o feminismo, talvez ela achasse que eu era uma especialista no assunto. [...] Em resposta ao pedido de minha amiga, resolvi lhe escrever uma carta, na esperança de que fosse algo prático e sincero, e também servisse como espécie de mapa de minhas próprias reflexões feministas. [...] Ainda assim, penso que é moralmente urgente termos conversas honestas sobre outras maneiras de criar nossos filhos, na tentativa de preparar um mundo mais justo para mulheres e homens.

Ao falar de cultura, também falamos de educação. Nesse sentido, é bastante complicado criar uma “nova” noção de cultura quando se está tão mal acostumado a sensos nocivos, mais ainda por vê-los como “naturais” ou “normais”. Existem muitos projetos trabalhando nessa conscientização e reeducação social, mas uma coisa é certa neste cenário: nascemos todos machistas, misóginos e babacas, sem mesmo saber o porquê de assim nos comportar. Não precisamos, no entanto, esperar que as futuras gerações despertem - e tardiamente. Nós podemos promover a mudança desde o começo. 
Mas o que realmente conta é a nossa postura, a nossa mentalidade. E se criássemos nossas crianças ressaltando seus talentos, e não seu gênero? E se focássemos em seus interesses, sem considerar gênero? (Sejamos todos feministas) 
A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte da nossa cultura, então temos que mudar nossa cultura. (Sejamos todos feministas) 
Se não empregarmos a camisa de força do gênero nas crianças pequenas, daremos a elas espaço para alcançar todo o seu potencial. Por favor, veja Chizalum como indivíduo. Não como uma menina como deve ser de tal ou tal jeito. Veja seus pontos fortes e pontos fracos de maneira individual. Não a meça pelo que uma menina deve ser. Meça-a pela melhor versão de si mesma.

Como Chimamanda nos conta, ela escreveu uma carta para uma amiga respondendo à grande questão de educar crianças como feministas. Apesar de poucas páginas e da leitura ser rápida (a edição é pocket), o conteúdo é para ser digerido lentamente. São MUITAS situações para repensar, refletir e despertar. É um exercício social. E tal qual, não dá pra pegar um conceito, aplicá-lo puramente e ter um resultado satisfatório, porque as situações não são prontas e possuem muitos detalhes de contexto. 
E entendo o que você quer dizer que nem sempre sabe qual deve ser a reação feminista a certas situações. Para mim, o feminismo é sempre uma questão de contexto.

Isso me lembrou bastante da série de livros da Brené Brown, que começa com conceitos sociais de vulnerabilidade (A arte de ser imperfeito), depois se discute identificá-los em contextos (A coragem de ser imperfeito, aqui) e então o exercício e aprendizados diários (Mais forte do que nunca, aqui). É uma escolha. 
Isso parece fácil, mas você se surpreenderia ao saber quantos nunca reconhecem os próprios sentimentos e emoções – apenas os descarregam. [...] A ironia é que, ao mesmo tempo que criamos distância entre nós e as pessoas ao redor, descontando tudo nos outros, ansiamos por laços afetivos mais profundos e por uma vida emocional mais rica. (Mais forte do que nunca) 
Cuidado com o perigo daquilo que chamo de Feminismo Leve. É a ideia de uma igualdade feminina condicional. Por favor, rejeite totalmente. É uma ideia vazia, falida, conciliadora. Ser feminista é como estar grávida. Ou se é ou se não é. Ou você acredita na plena igualdade entre homens e mulheres, ou não. [...] Mais preocupante ainda é a ideia, no Feminismo Leve, de que os homens são naturalmente superiores, mas devem “tratar bem as mulheres”. Não, não e não. A base para o bem-estar de uma mulher não pode se resumir à condescendência masculina.

É possível ler Para educar crianças feministas antes de ler o primeiro (Sejamos todos feministas) ou de assistir à conferência original, mas não é aconselhável se você não tem um bom embasamento dos principais ideais – pois pode haver um choque desfavorável, como o feminismo leve. No mais, o livro-carta é excelente para entender mais do posicionamento feminista. Como principiante (ainda), para mim o manifesto foi uma leitura iluminadora. Chimamanda é uma excepcional guia. Recomendadíííííssimo! 
Tente não usar demais palavras como “misoginia” e “patriarcado” com Chizalum. Nós, feministas, às vezes usamos muitos jargões, e o jargão às vezes pode ser abstrato demais. Não se limite a rotular alguma coisa de misógina – explique a ela porque aquilo é misógino e como poderia deixar de ser. 
Mas é uma triste verdade: nosso mundo está cheio de homens e mulheres que não gostam de mulheres poderosas. Estamos tão condicionados a pensar o poder como coisa masculina que uma mulher poderosa é uma aberração. E por isso ela é policiada. [...] Julgamos as poderosas com mais rigor do que os poderosos. E o Feminismo Leve permite isso.

Novamente, dá vontade de comprar centenas de exemplares e distribuir :) 
Todo mundo vai dar palpites, dizendo o que você deve fazer, mas o que importa é o que você quer, e não o que os outros querem que você queira. Por favor, não acredite na ideia de que maternidade e trabalho são mutuamente excludentes.


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domingo, 25 de junho de 2017

#Indicação: “Os 12 Signos de Valentina” (@Rayctjay)

Por Kleris: A gente diz que não é de acreditar em signos, mas lá e cá somos capturados por tais perfis tão convincentes – né, non?

Isadora tinha certeza de que Lucas era o homem da sua vida. Até não ser mais. Um belo dia, durante o próprio aniversário, ela descobre da pior forma possível que ele a vinha traindo com a sua amiga da faculdade. Antes de qualquer conclusão, algumas certezas: seis anos jogados no lixo e um coração em milhões de pedaços.

O fundo do poço não tem fim para a até então espirituosa estudante de jornalismo, e ela se perde em filmes feitos para chorar, pizza e lembranças do maldito-amor. Tudo isso enquanto stalkeia diariamente o perfil do ex-namorado. A prima e melhor amiga, Marina, não se conforma e insiste em levá-la para uma night regada a bebida, boa música e caras interessantes, com o argumento de que “apenas um novo amor pode curar um coração partido”.

Não dá certo. Mas a menina recebe valiosos conselhos de uma exotérica funcionária da balada e descobre porque o seu relacionamento acabou: astrologia. Ela, ariana, o ex, pisciano, os dois juntos? Inferno astral. Bingo! A resposta para todos os seus problemas – ela só precisa encontrar o libriano perfeito e ser feliz para sempre.

Porém, agora Isadora não está mais tão interessada em procurar um grande amor, mas sim em tentar entender mais sobre o zodíaco, decidindo fazer dele o seu trabalho final da matéria Jornalismo Online e criando assim “Os 12 Signos de Valentina”, um blog escrito sob um pseudônimo e com apenas um objetivo: relatar as experiências amorosas que ela decide ter com cada um dos 12 signos.

É óbvio que as coisas saem do controle, o blog vira uma febre da noite para o dia e Isadora encontra dificuldades em preservar a sua identidade dos fãs, dos amigos malucos e dos garotos com quem está se envolvendo. Valentina toma conta da sua vida e a transforma de “chifruda deprimida que não sai de casa” em “caçadora expert na arte da sedução”, mostrando para Isadora que ela pode sim se divertir sozinha, E MUITO, e que ela sempre teve valor. As duas só não contavam com o óbvio: se apaixonar.

Já que precisa encontrar o libriano perfeito, por que não aproveita e experimenta os outros signos do zodíaco para ter certeza mesmo?


Original do wattpad (agora disponível apenas para degustação), a ficção brasileira Os 12 signos de Valentina foi publicada pela Editora Galera. Com ares de tragicomédia umtombointeiroportragicomédias e escrita despretensiosa, Ray Tavares tem tudo para te conquistar de pronto. Quem mal espiei o livro e já curti pacas?

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Outras histórias publicadas (wattpad) aqui

E se você é do Rio, Curitiba ou Belo Horizonte, não deixe de passar no lançamento da Ray <3

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Sucesso, Ray <3
Até a próxima!

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sexta-feira, 23 de junho de 2017

Resenha: “Uma Loucura Discreta” (Mindy McGinnis)

Tradução de Fábio Bonillo

Sinopse: Boston, 1890. Asilo Psiquiátrico Wayburne. Grace Mae vive um pesadelo: forçada a passar seus dias reclusa num manicômio, em meio a insanos de todo tipo, sobressaltada por gritos de horror a cada noite. Grace não é louca. Apenas não consegue esquecer os terríveis segredos de família. Terríveis o suficiente para calar sua voz – jamais ouvida por ninguém, a não ser ela mesma, dentro de sua mente brilhante. Mas, quando uma crise emocional violenta traz sua voz à tona, Grace é confinada em um porão escuro. É nesse momento em que ela conhece o dr. Thornhollow, um estudioso de psicologia criminal. Dona de um olhar aguçado e de uma memória prodigiosa, Grace passa a auxiliar o médico em investigações. Ambos escapam para uma instituição mais segura em Ohio, em busca de amizade e esperança. Mas a tranquilidade dura pouco: surge um assassino em série que ataca brutalmente jovens mulheres. Grace seguirá no encalço do criminoso, mesmo tendo de enfrentar seus próprios fantasmas. Em Uma Loucura Discreta, Mindy McGinnis explora com maestria narrativa a tênue linha entre sanidade e loucura, revelando o lado obscuro que existe em todos nós.
Fonte: Skoob

Por Stephanie: Quando você lê a sinopse de Uma Loucura Discreta, pode pensar que esse livro é só mais um de YA, onde uma adolescente "louca" é salva pelo amor da sua vida (que ela acabou de conhecer). Pois bem, já vou te dizendo pra tirar essa ideia da cabeça, porque de romance meloso e dilemas bobos esse livro não tem nada.

Histórias passadas em manicômios são quase sempre sombrias, e neste caso o livro não foge à regra, trazendo consigo uma narrativa carregada e densa que chegou a me incomodar várias vezes. A opressão que os pacientes sofrem no asilo em que Grace vive no início do livro é sufocante e cruel, sendo impossível não sentir empatia pelos personagens que habitam aquele local.
Todos eles tinham seus terrores, mas pelo menos as aranhas que viviam nas veias da garota nova eram imaginárias. Grace aprendera havia muito tempo que os verdadeiros terrores deste mundo eram as outras pessoas.
Passado o primeiro terço da história, o incômodo diminui, mas não vai embora completamente. Acompanhamos a jornada de Grace e o Dr. Thornhollow por investigações à la Sherlock Holmes, e isso faz com que o livro dê uma acelerada e inclua cenas em outros ambientes, trazendo dinamismo. Vi algumas pessoas reclamando dessa mudança de tom, mas confesso que foi uma das coisas que mais gostei. Mesmo amando livros com assuntos pesados, acho que variar um pouco o tema proposto é sempre válido.

O livro aborda, além da sanidade e investigação, assuntos muito pertinentes aos dias atuais, mesmo se passando no séc. XIX: o feminismo e a opressão sofrida pelas mulheres (além de uma menção leve ao movimento sufragista). É chocante imaginar que naquele tempo ser mulher era ser inferior, e que qualquer atitude feminina "fora do padrão" poderia selar pra sempre o futuro de uma mulher, de maneira negativa. A palavra do homem sempre era lei, mesmo sendo mentira. Infelizmente isso ainda ocorre atualmente, quando vítimas de abuso são tidas como culpadas e julgadas por uma sociedade machista e opressora.

Os personagens têm a psique abordada a fundo, algo que eu já esperava. Em vários momentos me peguei questionando o verdadeiro sentido da palavra sanidade e em quais casos ela se aplica. Afinal, o "normal" é apenas um mito criado pela sociedade, que limita as pessoas a seguirem apenas uma linha de pensamento e comportamento? Ainda não sei se encontrei uma resposta.

Foram poucos os pontos negativos que eu identifiquei em Uma Loucura Discreta. Um deles foi a rapidez com que Thornhollow reconheceu as "habilidades" de Grace, achei que quebrou o ritmo. O final também não é tão bom; gostei do desenrolar de alguns acontecimentos mais achei a conclusão muito rápida. Além disso, achei que a autora tentou abordar muitos assuntos ao mesmo tempo em poucas páginas, tornando alguns deles muito superficiais. Gostaria de um livro maior ou até mesmo uma duologia que pudesse explorar com calma aquilo que foi falado apenas "por cima".
(...) É uma loucura tão discreta que pode caminhar livremente pelas ruas e ser aplaudida em determinadas rodas sociais, mas não deixa de ser loucura.
Mas no geral eu gostei muito da leitura e indico pra qualquer pessoa, mas se você é sensível a temas como estupro e violência contra a mulher, recomendo cautela. Não vejo a hora de a editora lançar The Female of the Species para eu conhecer mais do trabalho da Mindy McGinnis!

Quem mais leu ou está louco (rs) pra ler esse livro? Me conta nos comentários! E não deixe de conferir essa e outras resenhas no meu blog, o Devaneios de Papel. Espero vocês por lá!

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segunda-feira, 19 de junho de 2017

[Novidades] Leandro Reis é agora Leandro Radrak + ebooks

Leandro Reis, autor da trilogia fantástica Legado Goldshine (resenhas) e Garras de Grifo (resenha), agora assumiu a alcunha Leandro Radrak e traz seus livros em formato digital!

O Legado Goldshine, Sombras da Morte e contos Fragmentos de Grinmelken já foram disponibilizados no catálogo Amazon-Radrak. Apenas Garras de Grifo está em espera. Veja abaixo links direcionados – e trechos de resenhas da Sheila!



Filhos de Galagah (resenha) – Senhor das Sombras (resenha) – Enelock (resenha) 
"Filhos de Galagah" possui personagens complexos, uma trama bem elaborada e uma linguagem simples que faz com que as páginas praticamente virem sozinhas. Para quem gosta de Literatura Fantástica, posso dizer que não deixa nada a desejar aos títulos estrangeiros, prendendo a atenção do leitor do início ao fim - e ficando com gosto de quero mais, claro, já que a trama não é resolvida no primeiro livro. Vale ainda destacar que as cenas de ação são muito bem escritas, numa narrativa que, apesar de descritiva, não cansa por não ser extensa, mas precisa. Por mais que a temática explorada seja muiiiiiiittto antiga e extensamente usada - a luta do Bem contra o Mal - Leandro consegue nos transportar à um mundo paralelo, onde o Bem e o Mal descritos podem quase ser sentidos, tocados ... Enfim, diálogos inteligentes, ação, aventura, drama e até mesmo um toque de humor em algumas passagens, fazem do Livro I da trilogia não só um livro muito bom, mas, na minha modesta opinião, memorável.

** 
Além de chamar atenção para a ação neste segundo volume, muito maior que no primeiro, iremos encontrar um grupo menos entrosado, com Iallanara aprofundando-se mais em seu conflito interno entre luz e trevas, e Galatea mostrando-se mais humana e sujeita a falhas. Enfim, Leandro Reis consegue construir uma miscelânea de personagens, diálogos, espaços, narrativas e conteúdo para leitor de Literatura Fantástica nenhum colocar defeito. E se você não é muito fã deste tipo de livro, mesmo assim recomendo ler. Realmente muito bom.

** 
Mas o mais importante, com um final que não deixa nada a desejar, nem muito previsível nem fora do contexto da trama, que emociona e faz a leitura da trilogia e o acompanhar da jornada de todos os personagens valer – e muito – a pena. Vale destacar também que todas as pontas soltas e dúvidas são explicadas, e até umas passagens que ficaram um tantinho “forçadas” nos outros livros, são revisitadas e ampliadas, não só explicando mas também justificando sua presença na trama. E para quem, assim como eu, ficou com um “gostinho de quero mais” pode dar uma olhadinha no blog do autor no conteúdo extra do mundo de Grinmelken aqui, o lugar onde se passa a história.

*em espera*


Este é um livro de ação e aventura, onde a honra acaba sempre ficando em primeiro lugar, na luta contra a ganância e a sede de poder. A narrativa de Leandro é brilhante, consegue descrever todas as cenas de forma a fazer com que nos sintamos transportados até as batalhas que as gêmeas terão de lutar – em grande parte do livro separadas – para resgatar seu povo. Mas preparem-se para lutas ruidosas, com muito sangue derramado, membros decepados, mas também planos ardilosos e reviravoltas surpreendentes. Ah, e para quem leu Legado Goldshine, teremos também a participação de um personagem muito querido do clã de Galatea – mas que não vou contar quem é para não estragar a surpresa! Enfim seja você fã de literatura fantástica ou não, é um livro que realmente vale a pena ser lido, arte e capa bem feitos, narrativa empolgante, estória bem construída e amarrada, sem pontas soltas. Recomendo!




A bruxa vermelha – A garganta do macaco – A dama inevitável –
Esperança corrompida – A dama noturna – A lenda de Remiel –
Dia de caçada – Alma de Dragão

Os livros digitais da Amazon podem ser lidos no celular, Tablet, computador ou dispositivo Kindle; basta baixar o Software Kindle na Play ou Apple Store, se cadastrar e começar a usar. Se você tem o Kindle Unlimmited, as leituras saem de graça!

Para acompanhar mais do autor, curta a página

Leandro “Radrak” Reis, mora em São José dos Campos-SP. Colecionador de espadas, trilhas sonoras e miniaturas, é fascinado pelas estórias de dragões, elfos e magia. Começou a escrever valendo-se de um cenário imaginário de nome Grinmelken, mundo que surgiu quando, há mais de uma década, imaginou suas paisagens e personagens pela primeira vez.

Inspirado por diversas referências, escreveu contos e criou lugares, personagens e sociedades, baseado em pesquisas, imaginação e muita discussão. Decidiu investir no meio literário em 2006, dedicando-se fortemente às comunidades e listas relacionadas à literatura especulativa.

Após oito anos publicando pela editora IDEA, passou para o conteúdo digital, focando a disponibilização de suas publicações na Amazon.


Até a próxima!

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Resenha: “Antes Que Eu Vá” (Lauren Oliver)

Aviso de gatilho: Esse livro possui cenas de bullying e abuso sexual.

Tradução de Rita Sussekind


Por Stephanie: Olá, tudo bem com vocês? Hoje é dia de falar sobre um livro que recentemente voltou a ser assunto devido ao filme baseado nele que será lançado no Brasil no primeiro semestre de 2017. Estou falando sobre Antes Que Eu Vá, o primeiro livro publicado da autora Lauren Oliver. A Juny já fez uma resenha sobre ele aqui no blog que você pode conferir neste link. Então bora saber se as nossas opiniões são parecidas?

É comum pensarmos sobre a morte. Acredito que todo mundo tenha um pouco de interesse mórbido em saber como vai ser e o que vem depois. Mas já pensou se você ficasse preso em um looping infinito no seu último dia de vida? Seria uma tortura ou benção? Ao ler Antes Que Eu Vá, acho que consegui encontrar uma resposta.

Samantha Kingston, a protagonista, é a típica garota popular do Ensino Médio. Tem uma família amorosa, estuda em uma boa escola e tem pais com estabilidade financeira. Isso sem contar as amigas incríveis e o namorado perfeito. É uma personagem construída pra ganhar nossa antipatia (e que conseguiu a minha logo nos primeiros capítulos), pois trata as outras pessoas como inferiores e tem interesses fúteis. O acidente que tira sua vida e a prende nesse buraco-negro temporal vira seu mundo de cabeça para baixo e a faz questionar as escolhas que fez até então. E juntos iremos acompanhar a jornada da personagem em busca de um sentido nesta tragédia. 
Tente não me julgar. Lembre-se de que somos iguais, eu e você.
Também pensei que fosse viver para sempre.
Achei o clima da obra muito parecido com o livro Se Eu Ficar, até mesmo por tratarem de temáticas semelhantes. Mas em Antes Que Eu Vá, o drama é menos presente e tudo soa bem juvenil, já que o Ensino Médio é retratado diversas vezes ao longo da história (já que o dia em que Samantha morre é letivo). Isso é um pouco cansativo no começo, por conta da repetição. Mas Lauren Oliver conseguiu trazer dinâmica para o enredo lá pela metade da obra, com situações diferenciadas que mesmo sendo clichês, funcionam.

Falando em clichês, as escolhas feitas pela autora não são nada de novo. É fácil prever o que irá acontecer com certa antecedência, mas acho que isso se deve a ser seu livro de estreia, quando Lauren ainda não era tão experiente. A escrita se mostra encantadora mesmo e me fez sentir imersa na leitura desde a primeira página. 
(...) Foi quando percebi que certos momentos se estendem para sempre. Mesmo depois que terminam, continuam, mesmo depois que você está morta e enterrada, esses momentos perduram, no passado e no futuro, até a eternidade. São tudo e estão em todos os lugares ao mesmo tempo.
Os personagens também são clichês do gênero, mas destaco Juliet e Kent por possuírem personalidades tridimensionais e críveis. Devido à situação, não há espaço para o desenvolvimento de todos, e Sam é praticamente a única que cresce e evolui durante a história (o que achei um ponto negativo, de certa forma).

Antes Que Eu Vá é uma história sobre bullying, crescimento pessoal, família e escolhas. Vai te trazer reflexões e te fazer pensar quais caminhos você tomou para chegar até aqui, onde você está hoje. E claro, também é uma história sobre perdão, empatia e sacrifício, que acho que são coisas bem escassas nos dias de hoje. Só não me cativou como eu esperava, e o final deixou a desejar (por motivos que não posso explicar, se não seria spoiler). Estou curiosa pelo filme, e vocês? 

Pra deixar a ansiedade ainda maior, assista o trailer legendado abaixo. Até mais, pessoal!





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sexta-feira, 16 de junho de 2017

Resenha: "Armadilha" (Melanie Raabe)

Tradução: Karina Jannini


Por Sheila: Oi Pessoas! Quem gosta de Thriller Psicológico aí levanta a mão (!!!) E se além disso ainda houver muito suspense, adrenalina a mil, reviravoltas e finais surpreendentes? Bom, era mais ou menos isso que a sinopse e algumas resenhas prometiam para essa leitura, o que me deixou com altas expectativas.

Linda é uma escritora atormentada. Aliás, Linda é nossa narradora e, me desculpem os que não gostam de livros narrados em primeira pessoa, mas conversar com Linda e acompanhá-la nessa jornada de vingança e redenção é ótimo.

Mas voltando a Linda, ela não sai de sua casa há dez anos. Mais precisamente, desde que sua irmã foi assassinada. Em meio a tentativas de transformar sua casa ampla em mundos diferentes, para não se sentir tão presa, Linda tem pesadelos com o assassino da irmã, que viu de relance no dia fatídico.

Autora Best Seller, Linda mantém um contato quase nulo com o mundo exterior, o que faz com que muitos acreditem que esse seja um pseudônimo, e que a escritora reclusa e egocêntrica seja um artifício de marketing para chamar a atenção.

Deitada em seu quarto em meio a um de seus inúmeros pesadelos, ela percebe que neste, em particular, o monstro - como denomina o assassino de sua irmã - está diferente. Outro corte de cabelo, mais velho talvez? O terror que sempre a acompanha nos pesadelos vira choque: primeiro por que ela não esta dormindo, mas acordada e, segundo, por que agora ela finalmente tem meios de descobrir quem é o assassino de sua irmã. 
Uma frase que não consigo entender direito ecoa em minha cabeça. É uma voz. Pisco com os olhos grudentos, noto que meu braço direto esta adormecido, aperto-o tentando reanimá-lo. A televisão ainda esta ligada, e dela vem a voz que insinuou em meus sonhos, que me despertou.
É uma voz masculina, impessoal e neutra, tal como sempre soam nos canais de notícia que às vezes trazem esses belos documentários de que tanto gosto.
(...) Um repórter está diante do Reichstag, que se ergue, majestoso e imponente, na escuridão, e conta algo sobre a última viagem do chanceler ao exterior.

É só então que Linda de fato o vê. E reconhece. A partir de então, todos os esforços de Linda direcionam-se para encontrar um modo de confrontar o monstro, agora uma pessoa de carne e osso – Victor Lenzen, pai, jornalista de renome – e de fazê-lo admitir que assassinara sua irmã. Linda começa a preparar-se e montar sua Armadilha.

Mas como confrontá-lo se ela não sai de casa? Depois de muito se torturar a resposta pareceu-lhe clara como água. Ela era uma escritora, logo, iria escrever um livro onde narraria o assassinato de sua irmã, mesmo que isso fugisse do tema que geralmente escolhia para seus livros, o romance. Além disso, especificaria que sua primeira entrevista em muitos anos deveria se dar em sua casa, tendo um jornalista específico: Victor Lenzen.

Por mas que a autora, que é alemã, tenha ganhado o prêmio de melhor suspense policial de estreia, confesso que fiquei bastante decepcionada com a escrita e enredo. Talvez por que eu esperasse o que ele prometia: um thriller psicológico brilhante, e tenha recebido um suspense policial ate bem escrito e aceitável, que deixa algumas duvidas no ar e nos mostra que nem sempre nossas memórias são confiáveis. Mas só.

Claro que tenho quase certeza que a minha profissão influenciou de forma determinante à construção da minha crítica. Simplesmente não me parece possível que, uma mulher com a sintomatologia apresentada na obra, consiga em seis meses não só escrever um livro brilhante, mas se tornar capaz de enfrentar o assassino de sua irmã, de quem ela não possuía raiva, mas um pavor fóbico.

Também passa uma visão irreal do poder da terapia de dessensibilização sistemática, que nada mais é que um conjunto de técnicas de exposição/aproximação à experiência traumática, envolvendo treinamento ao relaxamento físico, estabelecimento de uma hierarquia de ansiedade em relação ao estímulo fóbico e contra condicionamento do relaxamento como uma resposta ao estímulo temido. No livro ela treina seu medo de aranhas para, mais tarde, poder suportar estar na mesma sala que o assassino de sua irmã (??????).

Fora isso, uma leitura dinâmica, com diálogos tensos, uma ideia bastante original e criativa. Recomendo.


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segunda-feira, 12 de junho de 2017

Resenha: "A Prisão do Rei" (Victoria Aveyard)

Tradução: Alessandra Esteche/Guilherme Miranda/ Zé Oliboni

Por Sheila: Oi pessoas! Trago a vocês o terceiro livro de uma série da qual eu sou mega fã: A Rainha vermelha! Já resenhei o primeiro livro aqui, o segundo aqui e a autora também nos presenteou com alguns contos deste universo, resenhados aqui.

Para quem não lembra, o mundo de Mare é dividido entre vermelhos e prateados. O que define quem uma pessoa é, seu lugar  no mundo, é a cor de seu sangue, mas não somente isso: os prateados possuem poderes, o que os divide numa série intrincada de Casas com uma outra série intrincada de jogos políticos.

Aos vermelhos como Mare resta apenas uma coisa: servir. E, se mesmo essa pequena meta não for alcançada, morrer na guerra que já dura mais de um século contra os povos vizinhos.

Por motivos que você vai precisar ler os livros para descobrir, Mare acaba no palácio do atual Rei de Norta, onde vive e, em meio a um desafio para escolher a nova consorte do principe mais velho, futuro rei, um acidente acontece e acaba-se descobrindo que ela, uma vermelha, ser considerado inferior, também possui uma habilidade, antes peculiaridade presente somente naqueles de sangue prateado.

Há murmúrios sobre uma onda de rebeldes levantando-se contra os prateados, a Guarda Escarlate e nesse primeiro livro, enquanto Mare, transformada em Mareena para encobrir sua origem, tenta entender o que e quem é, acaba por servir de joguete e fantoche nas mãos de muitos: os próprios prateados, o príncipe Maven, segundo na linha de sucessão e que prova-se um tremendo traidor, e a Guarda Escarlate.

Em a Rainha Vermelha, Mare é uma personagem apagada, é a protagonista mas não protagoniza nada além de um triângulo amoroso entre dois príncipes, Cal o herdeiro, que é obrigado pela Rainha Elara e seu poder de se intrometer na mente de outras pessoas a matar o próprio pai; e Maven, que se disse a favor dos vermelhos e da Guarda Escarlate, mas queria apenas um bode expiatório em quem colocar a culpa pela morte de aliados de Cal, preparando o momento em que reclamaria a coroa.

No segundo livro, Espada de Vidro, teremos uma Mare mais forte, mas ainda um tanto quanto voluntariosa e atrapalhada em como lidar com sua habilidades. Fugindo junto com Cal, o príncipe renegado, alia-se à guarda escarlate e descobre que há outros como ela - e que estão sendo sumariamente caçados e executados por Maven de forma metódica e cruel.

Junto aos corpos dos agora chamados Sangues Novos, Mare encontra bilhetes de Maven, que se propõe a parar com o banho de sangue caso Mare se entregue. O segundo livro é denso, triste, cheio de solidão e um profundo desespero em sua narrativa, onde ainda encontramos uma Mare que não consegue acreditar que Maven, o seu Maven, não existia, e que encontra nos braços de Cal um refúgio.

Ao fim deste segundo livro, um dos resgates a Sangue Novos tem vários desdobramentos imprevistos que incluem a morte de Elara, a Rainha; a morte do irmão de Mare por um projétil destinado a ela; e por fim, sua rendição a Maven para poder se redimir e tentar salvar aqueles a quem ama.

Chegamos então ao terceiro livro, A Prisão do Rei. Ao contrário do que Mare imaginava, Maven não era apenas um joguete nas mãos da Rainha Elara, e segue em seu reinado de terror mesmo na ausência da Rainha. No entanto, seu interesse em Mare parece ser genuíno, quase beirando a obsessão, único motivo para que a mesma não tenha sido sumariamente castigada e executada por seus crimes.

Levanto quando ele permite.
Sinto um puxão na corrente presa à coleira no meu pescoço. As farpas cravam em mim, mas não o bastante para fazer sangrar - ainda não. Meus punhos ja sangram. As feridas são consequência dos dias de cativeiro inconsciente usando as algemas ásperas e dilacerantes. As mangas outrora brancas estão manchadas de rubro e escarlate vivo, passando do sangue velho para o novo como prova do meu tormento. Para mostrar à corte de Maven o quanto já sofri.

Ao invés disso, ela é feita de prisioneira e tratada como uma boneca ou bicho de estimação real: usada em jogadas políticas quando necessário, sendo usada como isca para a Guarda Escarlate, e como forma de enganar a população contra os rebeldes, bem como alistar o máximo possível de Sangues Novos, agora sob a tutela de Maven.

A história neste penúltimo volume é narrada por três vozes: da própria Mare, Cameron, uma sangue nova que se junta a Guarda Escarlate contra sua vontade e Evangeline Samos, numa reviravolta no que diz respeito ao desenvolvimento dessa personagem. Arrisco dizer que em alguns momentos gostei mais dela do que de Mare, nossa protagonista. 

Mas, pegando leve com Mare, ela soube demonstrar sua força e seu amadurecimento neste livro. Algumas páginas se arrastaram, momentos em que pudemos ver toda a angústia da personagem por estar totalmente separada de seu poder por ter de usar braceletes com pedras silenciadoras, ela pode ter seu corpo subjugado mas sua mente, nunca. Em complexas discussões e jogos de poder com Maven, ela vai desnudando as brechas da sua personalidade, bem como descobrindo sua maior fraqueza: ela mesma.

- Nossas conversas são tão agradáveis. 
- Se você prefere seu quarto ... - ele alerta. Mais uma ameaça vazia que faz todos os dias. Nos dois sabemos que isso é melhor que a alternativa. Pelo menos agora posso fingir que estou fazendo algo de útil e ele pode fingir que não esta completamente sozinho nesta prisão que construiu para si mesmo. Para nós dois.

Além disso, a Guarda Escarlate mostra-se cada vez mais organizada, ramificada de uma maneira que ainda é impossível saber de fato seu tamanho e extensão, com uma cadeia de comando que não pode ser apreendida, um dos motivos para seu crescimento e expansão, conquistando cidades e angariando cada vez mais aliados rebeldes entre os vermelhos.

Batalhas épicas, personagens marcantes, dramas comoventes, alianças improváveis e quebras dilacerantes fazem da leitura de A Prisão do Rei um misto de ansiedade, raiva da nossa querida Victoria por brincar com o nosso coraçãozinho e, claro, desespero pelo último capítulo dessa saga fenomenal, apesar do medo que ela traz, pois nada parece dizer que o final será feliz.
Recomendadíssimo.

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Ana Liberato