sexta-feira, 7 de julho de 2017

Interrogação #13 – Um preconceito literário silencioso

Com Camila M. Guerra, autora convidada


Interrogação é uma coluna do Dear Book que recebe convidados para refletir o nosso momento enquanto ideias, hábitos, panoramas e manifestos culturais. A cada post, uma pergunta e uma opinião. Todo o conteúdo de resposta é de responsabilidade dos convidados. Sem periodicidade fixa, a coluna é organizada pela dear boss, Kleris Ribeiro.

Que preconceito literário lhe parece mais silencioso?

C: Correndo o risco de parecer incoerente, vou responder a esse desafio da Kleris iniciando meu raciocínio com um desafio também. Dê-me algumas linhas de crédito e acompanhe o desenrolar desta curta narrativa. Quando ela chegar ao fim, pense (e, se quiser, comente) se já viu algo do gênero por aí. Vamos lá:

Uma funcionária de uma empresa divide sua vida estressante entre as tarefas diárias junto a um chefe ultranervoso, os estudos e os pais doentes. Ela gosta de silêncio, histórias e solidão. Também gosta dos amigos, de um papo, das brincadeiras. Reserva alguns dias para estar com eles, mas, na maior parte das vezes, ela escolhe a leitura para relaxar no seu tempo livre. Da hora de almoço que lhe cabe, destina entre 30 e 40 minutos para ler e liberar a mente nas viagens longínquas e divertidas. Outros dias, decide estudar sobre os assuntos dos cursos que faz ou sobre as curiosidades que movem sua vida. Naqueles momentos, a mente se liberta do estresse e ela é feliz. O tempo passa e a protagonista dessa pequena história descobre que lhe arrumaram um apelido.

A narrativa acaba aí e eu gostaria de fechá-la com duas perguntas. Primeira: Qual apelido você daria para a moça? Faça um esforço e seja original, não vale o batido “CDF”. E, a segunda pergunta: Qual apelido você acha que arrumaram para ela?

Não sabe a resposta da segunda? Então aguarde um pouco, em algumas linhas você vai perceber.

Se não somos preconceituosos em um assunto, certamente somos em outros e não poderia ser diferente na literatura. As picuinhas literárias são incontáveis, estranhas, infinitas: entre leitores de clássicos e de livros comerciais, de literatura séria e literatura de entretenimento, entre os fãs de um autor e os fãs de outro, entre os diversos gêneros, entre os leitores de ficção e os de não ficção... Enfim, a lista é extensa, os motivos também.

O mais tácito deles, e o que permanece no topo da lista dos que causam mais estrago à literatura, é o preconceito contra a própria literatura. Ele existe e estende seus tentáculos para todos os lados. A leitura tem por aqui uma conotação bizarra e, para os inexperientes no assunto, caminha adornada por um fraque de arrogância e uma cartola de soberba. Para esses, não ler significa ser boa gente, simpático. Falam da importância da literatura, mas nas rodas de preconceito contra ela, crucificam-na como a uma rainha louca, a uma madame pomposa ou a uma peste avassaladora. Ler faz mal para a humildade.

Há quem não leia porque tem vergonha. Não querem correr o risco de parecerem superiores. Outros há que sentem orgulho de conquistarem o status de não leitores. Há alguns outros ainda que não tocam nos livros porque não precisam deles. O que, afinal, um monte de papel, ou de bits em um aparelho, poderia oferecer de tão fantástico ou de tão útil?

Para não me estender, não vou entrar no mérito do que está por trás de cada um desses tipos de pensamentos, basta dizer que eles existem, residem e resistem.

Acima do preconceito, no entanto, estão os conceitos que se formam com a leitura. É em busca deles que estamos todos nós que escrevemos. Em nome dessa busca travamos uma luta constante e, muitas vezes, inglória contra os pré-conceitos, concebidos com base em achismos, em medos e aversões, sem a pertinência da experiência. Estamos à procura dos conceitos, aqueles embasados em verdades próprias, em fatos experimentados, em conhecimento adquirido. Esses perduram e não há pré-conceito que os derrube.

Tocar um leitor é fazer a arte completar seu ciclo, que se inicia no coração de um e termina no coração de outro. Porque ler é despir-se de suas cascas e abrir-se para o que o outro tem a oferecer, é deixar-se tocar, aceitar a metamorfose e mudar. E, para isso, é preciso ter coragem de parecer amigo da soberba, mesmo recusando o fraque e a cartola a seu dispor. Ser você mesmo às vezes dói no outro.

A historinha narrada acima é verídica, sou testemunha, e a moça ganhou o apelido de metida a intelectual. 

Xô pré-conceito!


Formada em administração de empresas, atualmente divide seu tempo entre o trabalho de tradutora e a criação de histórias. Leitora assídua desde a infância, a escrita floresceu na adolescência, época em que nasceu seu primeiro livro, um infantojuvenil chamado O Caminho. Estreou em janeiro de 2015 na Amazon com seu primeiro romance A Última Chave – Realidade em um Mundo Paralelo (resenha aqui). Em seguida publicou seu segundo romance As Flechas de Tarian, o primeiro de uma trilogia ainda em desenvolvimento, e alguns contos. Atualmente continua escrevendo em tempo integral, seja traduzindo, blogando ou produzindo seus livros.



 

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comentários

  1. Em relação ao desafio, acho que eu não daria apelido, apenas pensaria "leitora"; já imaginando pela cabeça de outra pessoa, diria algo como "a mina/menina dos livros" - nem assim consigo ser "maldosa". Nunca sofri preconceito assim por ler (e que não venha a sofrer!), mas consigo imaginar quão bad é. Como em episódios de How I Met Your Mother, que o personagem Ted tenta somar cultura ao citar livros e/ou "fun facts" e todo mundo ignora ele. Ok que ele não tá com a turma que tem interesse nesses tipos de conversa, mas não é preciso ser desagradável daquela maneira. Menos ignorância, mais respeito. Ser você mesmo às vezes dói no outro [2]
    Excelente texto, Camila!

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Ana Liberato