Com Camila M. Guerra,
autora convidada
Interrogação é uma coluna do Dear Book que recebe convidados para refletir o nosso momento enquanto ideias, hábitos, panoramas e manifestos culturais. A cada post, uma pergunta e uma opinião. Todo o conteúdo de resposta é de responsabilidade dos convidados. Sem periodicidade fixa, a coluna é organizada pela dear boss, Kleris Ribeiro.
Que
preconceito literário lhe parece mais silencioso?
C:
Correndo o risco de parecer incoerente, vou responder a esse desafio da Kleris
iniciando meu raciocínio com um desafio também. Dê-me algumas linhas de crédito
e acompanhe o desenrolar desta curta narrativa. Quando ela chegar ao fim, pense
(e, se quiser, comente) se já viu algo do gênero por aí. Vamos lá:
Uma funcionária de uma
empresa divide sua vida estressante entre as tarefas diárias junto a um chefe
ultranervoso, os estudos e os pais doentes. Ela gosta de silêncio, histórias e
solidão. Também gosta dos amigos, de um papo, das brincadeiras. Reserva alguns
dias para estar com eles, mas, na maior parte das vezes, ela escolhe a leitura
para relaxar no seu tempo livre. Da hora de almoço que lhe cabe, destina entre
30 e 40 minutos para ler e liberar a mente nas viagens longínquas e divertidas.
Outros dias, decide estudar sobre os assuntos dos cursos que faz ou sobre as curiosidades
que movem sua vida. Naqueles momentos, a mente se liberta do estresse e ela é
feliz. O tempo passa e a protagonista dessa pequena história descobre que lhe
arrumaram um apelido.
A
narrativa acaba aí e eu gostaria de fechá-la com duas perguntas. Primeira: Qual apelido você daria para a moça?
Faça um esforço e seja original, não vale o batido “CDF”. E, a segunda
pergunta: Qual apelido você acha que
arrumaram para ela?
Não
sabe a resposta da segunda? Então aguarde um pouco, em algumas linhas você vai
perceber.
Se
não somos preconceituosos em um assunto, certamente somos em outros e não
poderia ser diferente na literatura. As picuinhas literárias são incontáveis,
estranhas, infinitas: entre leitores de clássicos e de livros comerciais, de
literatura séria e literatura de entretenimento, entre os fãs de um autor e os
fãs de outro, entre os diversos gêneros, entre os leitores de ficção e os de
não ficção... Enfim, a lista é extensa, os motivos também.
O
mais tácito deles, e o que permanece no topo da lista dos que causam mais
estrago à literatura, é o preconceito contra a própria literatura. Ele existe e
estende seus tentáculos para todos os lados. A leitura tem por aqui uma
conotação bizarra e, para os inexperientes no assunto, caminha adornada por um
fraque de arrogância e uma cartola de soberba. Para esses, não ler significa
ser boa gente, simpático. Falam da importância da literatura, mas nas rodas de
preconceito contra ela, crucificam-na como a uma rainha louca, a uma madame
pomposa ou a uma peste avassaladora. Ler faz mal para a humildade.
Há
quem não leia porque tem vergonha. Não querem correr o risco de parecerem
superiores. Outros há que sentem orgulho de conquistarem o status de não
leitores. Há alguns outros ainda que não tocam nos livros porque não precisam
deles. O que, afinal, um monte de papel, ou de bits em um aparelho, poderia
oferecer de tão fantástico ou de tão útil?
Para
não me estender, não vou entrar no mérito do que está por trás de cada um
desses tipos de pensamentos, basta dizer que eles existem, residem e resistem.
Acima
do preconceito, no entanto, estão os conceitos que se formam com a leitura. É
em busca deles que estamos todos nós que escrevemos. Em nome dessa busca
travamos uma luta constante e, muitas vezes, inglória contra os pré-conceitos,
concebidos com base em achismos, em medos e aversões, sem a pertinência da
experiência. Estamos à procura dos conceitos, aqueles embasados em verdades
próprias, em fatos experimentados, em conhecimento adquirido. Esses perduram e
não há pré-conceito que os derrube.
Tocar
um leitor é fazer a arte completar seu ciclo, que se inicia no coração de um e
termina no coração de outro. Porque ler é despir-se de suas cascas e abrir-se
para o que o outro tem a oferecer, é deixar-se tocar, aceitar a metamorfose e
mudar. E, para isso, é preciso ter coragem de parecer amigo da soberba, mesmo
recusando o fraque e a cartola a seu dispor. Ser você mesmo às vezes dói no
outro.
A
historinha narrada acima é verídica, sou testemunha, e a moça ganhou o apelido
de metida a intelectual.
Xô pré-conceito!
Formada
em administração de empresas, atualmente divide seu tempo entre o trabalho de
tradutora e a criação de histórias. Leitora assídua desde a infância, a escrita
floresceu na adolescência, época em que nasceu seu primeiro livro, um
infantojuvenil chamado O Caminho.
Estreou em janeiro de 2015 na Amazon com seu primeiro romance A Última Chave – Realidade em um Mundo
Paralelo (resenha aqui).
Em seguida publicou seu segundo romance As
Flechas de Tarian, o primeiro de uma trilogia ainda em desenvolvimento, e
alguns contos. Atualmente continua escrevendo em tempo integral, seja
traduzindo, blogando ou produzindo seus livros.
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Em relação ao desafio, acho que eu não daria apelido, apenas pensaria "leitora"; já imaginando pela cabeça de outra pessoa, diria algo como "a mina/menina dos livros" - nem assim consigo ser "maldosa". Nunca sofri preconceito assim por ler (e que não venha a sofrer!), mas consigo imaginar quão bad é. Como em episódios de How I Met Your Mother, que o personagem Ted tenta somar cultura ao citar livros e/ou "fun facts" e todo mundo ignora ele. Ok que ele não tá com a turma que tem interesse nesses tipos de conversa, mas não é preciso ser desagradável daquela maneira. Menos ignorância, mais respeito. Ser você mesmo às vezes dói no outro [2]
ResponderExcluirExcelente texto, Camila!