sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Vale a Pena Ler de Novo: “Véu do Tempo” (Claire R. McDougall)

Neste mês de Janeiro estamos em recesso, mas preparamos para você, caro leitor, uma seleção com nossas resenhas mais acessadas de 2017.
Enquanto isso, prepare-se para todas os lançamentos e novidades de 2018.


Tradução de: Jacqueline Damásio Valpassos

*Por Mary*: Já diria minha bestie Alice: “Estou #socada”

Quando a Editora Pensamento publicou este livro, e li a sinopse, acreditei se tratar apenas de mais um romance açucarado (o que eu, por sinal, adoro!). Notei a semelhança com Outlander, parecendo, porém, manter o enfoque no romance.

E qual não foi a minha surpresa ao me deparar com um livro extremamente bem estruturado, com fundamentos originais e uma reflexão inteligentíssima a respeito do papel do cristianismo no fortalecimento do patriarcado.

Igual Outlander, só mesmo a Escócia e o mote de viagem no tempo. Nem mesmo a maneira de viajar é semelhante e, a propósito, a justificativa usada pela autora é fantástica! Eu nunca pensaria em algo assim, creio.
- Mas e se o tempo não é o que pensamos que seja, uma maldita coisa atrás da outra? E se o que conhecermos não for apenas uma série de imagens, mas semelhante a um holograma? Se o todo estiver contido dentro de cada parte, então viajar através do tempo não seria tanto uma questão de deslocamento, e sim, de olhar mais fundo dentro da imagem.
- Agora eu sou obrigado a discordar de você – diz Jim. – Não vejo como tudo poderia estar acontecendo ao mesmo tempo, se uma coisa é a causa de outra. Olhe, nessa lista de reis, o seu rei Murdoch vem logo depois do rei Eochaid.
Maggie vive sob a névoa de torpor causada pela medicação que toma para controlar a epilepsia. Divorciada, e com um filho morando no colégio interno, muda-se para um solitário chalé aos pés das ruínas de Dunnad, berço da realeza da Escócia.

Há muito, Maggie aprendeu a conviver com os sonhos vívidos pós-convulsão, que parecem transportá-la a outros tempos. Tempos imemoriais. Já discutiu teologia com Mary Stuart, deu uma voltinha com Napoleão e fugiu dos ingleses de mãos dadas com William Wallace. E é em um desses sonhos que vai parar na Dunadd do Séc. VIII, quando esta ainda abriga a realeza escocesa. 

Ao voltar, os detalhes surpreendentemente reais de seus sonhos a confundem. Maggie percebe, a partir de informações e lugares, que tudo pode ser mais do que uma alucinação. E se não for? E se for realmente uma viagem no tempo?

Ali, conhece Fergus, um lord medieval irmão do rei, guerreiro bravo e gentil, que ainda sofre com a perda prematura de sua esposa e é pai de uma garotinha adorável, Illa, que guarda uma semelhança assombrosa com a falecida filha de Maggie, vítima de complicações decorrentes também da epilepsia.

A cada viagem, Maggie se torna mais e mais próxima de Fergus e sua filha, até já ser chamada de mo chridhe – meu amor – pelo príncipe medieval. Determinada a ficar de vez no passado, as demandas do presente a chamam de volta e Maggie terá que tomar uma decisão definitiva. 
Eu me sinto uma tola por conjurar meu cavaleiro medieval, mas fazia muito tempo que eu não ansiava pelo toque de um homem. A medicação anticonvulsivante em minha vida adulta cobrou seu preço sobre a libido. Como Oliver cansou de me acusar. Mas a escolha estava entre ser uma mulher consciente ou uma mulher ardente , e, no final das contas, com todas as exigências de ser uma esposa e mãe, a frígida tomou as rédeas. Mas, no meu sonho, com minhas mãos prestes a tocar os cabelos de Fergus, frigidez era a última coisa que eu estava sentindo. Pela primeira vez desde que Ellie morreu, eu captei uma pequena insinuação de esperança, logo abaixo do externo.
Com um romance instigante e envolvente, Véu do Tempo alterna narrações em primeira e terceira pessoa. Esse recurso viabiliza a ampliação da gama de tramas abordadas, uma vez que dá voz à nossa protagonista Maggie e, também, apresenta os conflitos pertinentes a Fergus, nosso príncipe medieval. 

E como se já não bastasse a obra dolorosamente instigante, Claire McDougall administra com indiscutível maestria a narração, a tal ponto que se pode distinguir, suavemente, as características predominantes dos personagens. A tristeza de Maggie, por exemplo, e a natureza rudimentar de Fergus.
- Não pense que é fácil para mim, esquecer Saraid.
- Já estava na hora, no entanto – disse Talorcan. – Os mortos não são para serem mantidos conosco, como que guardados em caixas. Eles têm suas vidas, não mais conosco, exceto pelos momentos em que o véu se abre. Mas isso não depende de nós.
Lendo a sinopse, sem dúvida esperamos um romance bobo, leve. O que encontramos dentre as páginas de Véu do Tempo, contudo, é uma trama inteligente e bem desenvolvida, elaborada de forma hábil por uma escritora que demonstra conhecer profundamente a matéria sobre a qual está apresentando.

Mais que isso, Claire nos presenteia com um texto bastante detalhista, trazendo informações com um nível de minúcia que chega a impressionar. O texto é bastante descritivo, aliás, o que, para um leitor ávido por ação, pode se tornar cansativo. Por outro lado, essa característica nos faz sentir como se de fato fôssemos transportados para a Escócia do Séc. VIII. 
Os portões foram abertos e ele navega para dentro, parando apenas para esperar que a parede em mim ceda. Quero esperar, segurar um pouco, não deixar que ele deslize tão cedo. Se pudéssemos parar de respirar, ficar parados e nos manter assim por mais um momento... Mas é tarde demais. Estou caindo. Tudo está desmoronando e eu estou na borda, agarrando-me a ele porque do outro lado há apenas a queda.
De maneira incidental, a escritora traça uma análise por vezes sarcástica da influência do cristianismo sobre os povos no início da Idade Média, transformando este período na Era das Trevas, como a conhecemos hoje em dia, além de promover o patriarcado e reforçar a perda do sagrado feminino.

Ao longo de suas páginas, Claire R. McDaugall guia o seu leitor por caminhos tortuosos e agoniantes, deixando-o cada vez mais ansioso por descobrir a decisão da protagonista. Me vi diversas vezes espiando as páginas seguintes, no afã de descobrir o que iria acontecer adiante. 
- Beleza... o que isso significa para mim? Um enfeite para o homem cujos olhos não veem longe. Juventude é algo que eu próprio já não possuo. O tempo me trouxe cicatrizes e sabedoria. Como eu poderia confiar a mim mesmo ou minha filha à juventude que nada sabe sobre isso, que não tenha propriamente vivido?
Sendo assim, se você quer um romance original, passeando pelas belas paisagens da Escócia, tendo a chance de viver uma época diferente e com uma análise quase cética dos valores religiosos – tudo isso embrulhado de presente em uma trama muito bem elaborada – com certeza precisa ler Véu do Tempo.
Ele toca minha boca com a sua; não é um beijo, apenas uma pergunta de algum tipo.
- Diga-me quem você é, Ma-khee.
Poderia dizer algo que não é verdade, mas isso iria abalar este momento.
Retiro os meus lábios do calor de sua boca e respondo:
- Eu não sei quem eu sou.
Ele olha para os anéis na rocha e, lentamente, tira as mãos de mim.
- Quem é você? – pergunto, atraindo seus olhos de volta para mim. – Eu sei que você se chama Fergus, não sei quem você é na verdade.
Seu sorriso fugaz brilha por um instante.
- Eu sou apenas o irmão do rei – diz ele. – O triste irmão do rei.
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comentários

  1. Como não conhecia o livro, estou aqui meio sem saber o que pensar. Assim, eu tentei começar a ver Outlander e? Odiei.rs(não me bata)
    Mas a série não conseguiu me convencer e abandonei depois de ver a primeira temporada inteira reclamando.
    Ainda não pude ler os livros e nem sei se farei isso um dia,mas...
    Eu sou uma romântica incurável e amo estes lances de viagem no tempo e por tudo que li acima, a história parece ser muito boa.
    Vou por na lista de desejados, quem sabe eu não consiga ler em um momento diferente do que tentei Out?
    Beijo

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Ana Liberato