segunda-feira, 23 de abril de 2018

Resenha: “Um Barril de Risadas, Um Vale de Lágrimas” (Jules Feiffer)


Tradução de Carlos Sussekind

Por Kleris: Acho que já mencionei em outra resenha que, da mesma maneira que curto sincronizar músicas à situação e/ou humor, gosto de aproveitar leituras conforme o momento. Com quase um aninho na estante, lembrei de Um barril de risadas, um vale de lágrimas e foi em um momento certeiro. Estava saindo de uma leitura um tanto pesada e Feiffer me ofereceu o caminho de volta. Então se você procura algo pra destravar ou fazer uma ponte de leitura, leve este livro <3 
Roger tinha um estranho efeito sobre as pessoas.


Roger é um príncipe meio abobalhado, que tem esse tal estranho efeito sobre as pessoas: quem chega próximo dele, ri, ri de se acabar. Sua presença por si só faz isso e é algo incontrolável. Roger também não colaborava, ele ria de qualquer coisa, não tinha tempo ruim pra ele. Só que essa “felicidade eterna” lhe era prejudicial. Como que um dia ele poderia assumir o trono (e o reino), se ninguém (nem se quisessem!) conseguia levá-lo a sério?

O rei Deldizifidicer, seu pai, então pede ao J. Imago Mago, mago do reino, para auxiliar Roger nessa causa. Ao que parecia, a causa deveria ser descoberta pelo próprio, em uma jornada sem um destino definido, a não ser essa busca, que ninguém também sabia de quê na verdade. Só se sabia que Roger precisava mudar sua situação, ter “experiências de vida”. E assim ele foi, atrás de seu destino, mais empurrado do que outra coisa, com um pó mágico que Imago lhe dera, um recurso que ajudaria a imunizar pessoas de rirem quando perto dele estivesse.

O mago, claro, dava suas bisbilhotadas na aventura de Roger, até porque o príncipe começava a se demorar na sua busca. Numa dessas espiadas, Imago Mago percebera que Roger estava a se dispersar da missão, vez que estava muito seguro com aquele pózinho mágico, tão perdido quanto os outros homens e mulheres que divagavam em suas próprias jornadas. Em uma última interferência, o mago produz uma situação a fim de chamar a atenção de Roger e colocá-lo de volta à trilha. É quando ele se vê em dificuldade que a jornada verdadeiramente começa. 
“Que significa isto?”, pensou. Seu primeiro pensamento depois de muito, muito tempo. A última vez em que chegara perto de algo que poderia chamar de pensar foi quando ele era uma árvore e havia deixado cair um galho na cabeça de Tom. Ao longo de um dia, pensar figurava em último lugar na lista de coisas que tinha para fazer. Por que pensar quando se pode brincar? 
“Você precisa tomar uma decisão.”
“Uma decisão?”, gemeu Roger. “Mas eu nunca tomei uma decisão.”
“Para tudo há uma primeira vez.”

Um barril de risadas, um vale de lágrimas é uma novela que fala sobre sair da zona de conforto – e que existe esperança para quem não se acha (ou não parece) capaz. De maneira quase ingênua, mas também realista, temos uma digna jornada de herói. Temos também uns elementos e personagens fora do comum para pequenas lições de vida. Além de Roger, destaques para Imago Mago, Tom, Lady Sarita e até mesmo o rei Deldizifidicer, figura singular que rouba a cena até mesmo sem querer.

Ao retratar a ideia de se lançar no mundo e dele colher as mais diversas experiências, Jules emparelha o bom e o ruim da vida como algo para nosso aprendizado – de que a parte ruim também tem papel importante, e por isso não deve ser evitado ou desprezado. Também se trabalha as percepções, sobre si, sobre o mundo, as amizades, nossos desejos e desejos de outras pessoas, de deixar que se lute as próprias batalhas, de se aperceber de pessoas que não respeitam a vontade ou o caminho do outro.

Feiffer nos insere nessa empreitada com muito humor. A gente acha que não vai rir, já que parece tudo tão bobo, mas ele tem um jeitinho de nos envolver tão tão tão carismático, que nos faz torcer por esse anti-herói e virar as páginas atrás de respostas. Para garantir essa bobice gostosa, o que mais tem é virada inesperada. Valoriza-se ainda a própria jornada – os passos, as dúvidas, desafios e enigmas da vida, os momentos de reflexão, maneiras de fazer diferente pra alcançar um rumo diferente. 
Armadilhas, uma após a outra. E depois, haveria mais armadilhas à sua espera? Uma vida inteira de armadilhas enfileiradas! Venceria a primeira contra todas as possibilidades para em seguida ver-se frente a frente com novas impossibilidades, uma segunda uma terceira, uma quarta, e assim por diante?

E tão melhor quanto a trama é a narração. Temos um narrador conversador ótemo, que garante uma leiturinha leve, fluída, suave na nave na medida. Geralmente não curto esse tipo de narração, vez que tendem a divagar, perder o foco e tentar agregar uns fatos nada a ver. Aqui, até mesmo as divagações são um elemento interessante, o que corrobora muito com a aura de metaleitura (uma leitura sobre leitura <3) e de realismo fantástico da trama – isso sem, no entanto, exagerar na dose. Goxtei muito disso. 
O que é bom nesse negócio de ser escritor é que a gente sabe tudo o que vai acontecer antes que aconteça. Na vida real não se consegue ter certeza sobre o que vai acontecer daqui a cinco minutos, mas no seu próprio livro você tem o controle que na vida real é impossível. 
Escolhi dar a este capítulo esse título porque, muitas vezes, quando vou chegando ao fim do livro que estou lendo, não consigo deixar de pensar em quantas páginas ainda faltam para acabar. Aí dou uma corrida até o final e espio. E acabo descobrindo coisas que não queria saber. #quemnunca

As ilustrações também, de maneira simplista, incrementam a história. Embora ache que daria um filme maravilhoso – de animação, de preferência – o conjunto como livro me parece bem mais rico. Os traços singelos e as entradas dinâmicas dão esse toque especial para guiar a imaginação. A capa, aliás, traz uma sacada de contexto bem bacana! Gostei da Seguinte ter mantido a arte anterior da edição da Companhia das Letras <3

Um barril de risadas, um vale de lágrimas é, assim, uma aventurinha juvenil que tem tudo pra ser abraçado. Amei a escrita de Jules e com certeza devo ir atrás de outros livros dele! 
“Há um mundo de verdade lá fora, meu peralta”, vociferou Imago Mago no auge de sua frustração. Apontou para a janela na direção da Floresta Para Sempre e mais além. “É um universo misturado em que há muito sol e muita sombra, muita glória e muita solidão. E você não experimentará nada disso. Não experimentará nada de coisa nenhuma,”. J. Imago Mago levantou-se de Roger e atravessou a sala até chegar à janela. Ficou um bom tempo olhando para fora. “O que está lhe faltando é aventurar-se numa busca”, disse ele. Um brilho faiscou nos seus olhos.
“Numa o quê?”, perguntou Roger.
“Exatamente!”, exclamou o mago. “O que é preciso é enviá-lo numa busca!”
“Tipo salvar uma linda mocinha das garras de um dragão ou de um ogro? Isso até que me faria dar boas risadas!”
“Roger, você não é sério bastante para salvamentos [...]” 
“Não compreendo”, disse Roger. “Lá onde?”
“Acolá, adiante ou além”, disse o mago.
“Deixa eu ver se eu peguei”, disse Roger. “É pra eu encontrar minha busca num desses lugares, ou num outro lugar. É isso que você está me dizendo?”
“Acolá, adiante ou além”, repetiu o mago.

Recomendo!

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Ana Liberato