Na ocasião, ouvi de Aline que, se o verbo que permeia seu primeiro livro, O peso do pássaro morto, é “perder”, o que envolve Pequena coreografia do adeus é “sonhar”. E a única coisa de que Júlia precisa para realizar seu sonho é ela mesma.
Criada em uma família disfuncional, Júlia Terra vive uma infância marcada por traumas e violências que a fazem querer desaparecer, como uma música que deixa de tocar. Sem conseguir estabelecer laços afetivos nem mesmo com os pais, Júlia é constantemente silenciada e empurrada para a solidão. No entanto, ao iniciar um diário, ela encontra na escrita seu lugar de fala, sua voz, o que alimenta o sonho de se tornar escritora.
as surras que eu levava
eram as surras que a minha mãe levou em looping
na minha pele, na pele dos filhos que ainda não tenho
O ciclo de abandono começa a se romper quando Júlia, já crescida, passa a trabalhar em um café e deixa a casa da mãe. Ela vai morar em uma pensão que tem uma história de resistência e foi salva por uma mulher, a viúva Argentina. A conexão com o próprio local, sua dona e seus hóspedes mostra à Júlia que, se quiser, ela pode flutuar ou ser qualquer coisa sem pés no chão.
os estranhos não nos doem porque ainda não nos decepcionaram
e se mantivermos tudo a uma boa distância: seguirão sendo
essa doce incógnita.
Acompanhar a coreografia do amadurecimento de Júlia é tão emocionante quanto apreciar a dança das palavras de Aline Bei. Em seu novo livro, ela mantém a prosa estruturada em versos, como no “pássaro”, mas aqui ela acrescenta um ingrediente novo: a esperança. Recomendo que a leitura seja feita na versão física, porque a distribuição das palavras na página fazem toda a diferença. A escrita tão próxima e sensível dessa autora-artista provoca em mim uma vastidão de sentimentos, nem todos decifráveis.
sabíamos que a vida
ainda que fosse a nossa maior ruína era também a nossa única salvação.
Cinco estrelas cheias de brilho pra essa obra.
Até a próxima, pessoal!
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