sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Resenha: "Belo mundo, onde você está" (Sally Rooney)

Tradução de Débora Landsberg.

Por Thaís Inocêncio: Eu nunca gostei muito de filmes ou livros "parados", aquelas histórias sem muitas ações ou reviravoltas, porque esse tipo de narrativa não costuma prender a minha atenção. Encontrei uma exceção no meio do meu caminho: as obras da escritora Sally Rooney.

Depois de ter lido Pessoas normais e gostado do estilo peculiar de escrita e da construção dos personagens, eu estava ansiosa por mais uma história da autora. E ela não me decepcionou; pelo contrário: esse foi um dos meus livros favoritos de 2021. 

É até difícil de construir uma sinopse, porque nesse livro não acontece nada, mas ele fala sobre tudo. A história se passa na Irlanda e relata, principalmente, a vida de três amigos: Alice, Eileen e Simon. Alice é uma romancista que se mudou de Dublin para uma cidadezinha irlandesa litorânea. Lá, por meio do Tinder, ela conhece Félix, com quem passa a se relacionar. Eillen e Simon, amigos de Alice, vivem em Dublin e se conhecem desde crianças. Eles nutrem fortes sentimentos um pelo outro, mas, por muito tempo, não têm coragem suficiente para deixá-los florescer (se você leu Pessoas normais, talvez veja um pouquinho de Marianne e Connell aqui). 
Talvez a gente tenha nascido para amar e se preocupar com quem a gente conhece, para continuar amando e se preocupando mesmo quando temos coisas mais importantes para fazer. [...] E amo esse aspecto da humanidade, e de fato é por esse exato motivo que torço para que sobrevivamos – porque somos uns idiotas em relação aos outros.
O livro é isso: o cotidiano, as relações e os pensamentos dessas quatro pessoas. A beleza e a grandiosidade da história estão no fato de a autora conseguir universalizar esses personagens. É como se eles passassem pelos dilemas e questionamentos que atravessam quase todo ser humano contemporâneo na casa dos trinta anos. Talvez por isso eu tenha gostado tanto – porque eu me identifiquei muito. 

Como Alice e Eileen não moram mais tão perto desde que a escritora se mudou de Dublin, as duas se comunicam bastante por e-mail – e eles são a melhor parte do romance. Nessas conversas, que são como monólogos, já que não há uma resposta imediata, elas refletem sobre amizade, sexo, religião, política, consumismo, relações de poder e de trabalho, mudanças climáticas e outras questões ambientais e o futuro do planeta de modo geral. Por meio desses e-mails, Sally Rooney consegue traduzir muitos dos nossos pensamentos a respeito do mundo (em diversos momentos eu me vi gritando "É ISSO" enquanto lia essas mensagens). A compreensão da autora sobre o universo que nos cerca na atualidade é o que mais me impressiona.
E se o sentido da vida na terra não for o progresso eterno rumo a um objetivo indefinido – a engenharia e a produção de tecnologias cada vez mais poderosas; o desenvolvimento de formas culturais cada vez mais elaboradas e abstrusas? E se essas coisas ascendem e recuam naturalmente, como marés, enquanto o sentido da vida continua sempre o mesmo – só viver e estar com outras pessoas?
Mas a história fala, sobretudo, de relacionamentos. Convenhamos que, embora o ser humano seja um ser social, não é simples se relacionar com as pessoas. Uma boa relação demanda diálogo e transparência, o que às vezes falta na dinâmica desses personagens, acarretando mágoas, ressentimentos, arrependimentos e frustrações. Mas os relacionamentos também envolvem compreensão, parceria e amor, o que faz com que eles valham a pena. E eu gosto muito da mistura de melancolia e otimismo que esse livro proporciona. 
Se Deus queria que eu abrisse mão de você, ele não teria feito de mim quem eu sou.
É importante destacar, porém, que o estilo de escrita da autora se mantém aqui, com parágrafos longos e diálogos sem nenhuma diferenciação, o que exige muita atenção do leitor. Mas, depois de mais essa história, Sally Rooney tem toda a minha atenção. Eu ainda preciso ler o primeiro romance da autora, Conversa entre amigos, mas ele já está à minha espera na estante.

Espero que tenham gostado e até a próxima!

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Ana Liberato